segunda-feira, 31 de dezembro de 2018

28a CARTA PARA MINHA FILHA

28a CARTA PARA MINHA FILHA


Este tempo,

em que meu lugar é o sonho

em que te contemplo viva

mais real que eu mesma


Este lugar em que me apaixono

Em que você encerra meu sono

E me acorda com riso


Aprendo uma lição impronunciável:

Nada mais preciso

A não ser você nos meus braços 

E toda a minha vida nos seus. >poeminha de agora: 30/12/2018 - 14:28 >foto do início do Samba na Caverna, 29/12/2018, na casa dos meus cunhados, com o Paulo tocando ao fundo e Nina dormindo e sempre me tocando profundo





domingo, 30 de dezembro de 2018

27a CARTA PARA MINHA FILHA

27a CARTA PARA MINHA FILHA 

Já faz um ano. Eu era outra e você tinha acabado de chegar em mim. Eu tinha uma vida minha. Do início das manhãs ao fim das madrugadas, os dias eram meus. Eu tinha noites e sonos bem dormidos. O corpo mais rijo e esticado na cama. Banhos longos, sem pressa. Vontades que eu podia realizar. Horas livres. 

Você veio. Veio preenchendo os vazios. O vazio do meu corpo. O vazio da minha alma. O vazio da minha vida. 

Sorri quando senti você pela primeira vez. Senti seu espírito. Seu corpo não era passível de ser percebido. Mas a sua presença já reluzia como uma chama viva. Eu me confidenciava apenas com seu pai “acho que estou grávida”. Já faz um ano. Ele mal podia acreditar que tanta alegria e merecimento eram possíveis. Demorou para entender. Eu também. 

Já faz um ano e eu ainda não entendo. 

Não sei de nada. Só sei que você está em tudo. Toda a minha vida tomada. Eu: completamente sua. 

15/12/2018

#cartasparaminhafilha #maternidadeconsciente #mãedemenina #mãe #vidademãe #maternagem 

Ensaio gestante: @sitah_photoart





terça-feira, 27 de novembro de 2018

26a Carta para minha filha

26ª CARTA PARA MINHA FILHA 

Amo você, filha. Meu amor nasce de todas as minhas transcendências. Ao me levantar com preguiça para te pegar no colo, ao me deixar sempre pra depois para ficar com você. Você é mais importante! Da minha preguiça nasce meu amor, pois ele a vence, forte como um touro. Então acolho você em meus braços e o amor me acolhe. Tenho vislumbres sobre minha condição de mãe. Sobre a oportunidade de ir além, de descobrir partes minhas que eu desconhecia, alcances maiores do meu ser, pontos mais sublimes da minha personalidade… Claro que atravessamos juntas a minha sombra. Mas seu sorriso me perdoa. Parece que você não se importa e cura a culpa pelas falhas que eu penso cometer. Sei que não haverá perfeição. Mas me deixa tão feliz poder te dar o meu melhor, o melhor que posso, o melhor que eu tenho agora. Cada processo de maternidade é único, mas o meu é de regar essa minha alegria vaidosa de ser a melhor mãe. Não melhor que as outras, melhor do que eu mesma! A melhor mãe que eu posso ser. 

#cartasparaminhafilha #maternidadeconsciente #mãedemenina #maternagem 📸: @sitah_photoart

25a CARTA PARA MINHA FILHA


Choro com você nos meus braços, como se eu fosse a criança nos seus. Você me Nina, eu menina, mesmo sendo você a mais pequenina, você me ensina jeitos de te fazer dormir, jeitos de renovar o amor, de te conhecer, jeitos de não saber, de reaprender, lembrar, esquecer, começar de novo. Afinal há sempre um amor novo por você. Lágrimas de poesia, transpiração etérea do que sinto, flocos de ternura, meu colo tão repleto, e eu tão sua, tão sua…

Estou ouvindo “A soaring heart” uma canção que conheci para te ninar, ninar seus sonhos. Dessa canção vão nascendo essas palavras de pranto. Esse canto que eu canto. 

Esse instante é uma eternidade que quero manter e ao mesmo tempo ver crescer, florescer, desabrochar, como seu riso ao acordar, ou ao me ver, diante do seu olhar. Então a dor da mãe que se doa completamente, inteiramente, se dissolve em um solúvel universal: um amor que só se compreende sentindo. É preciso alertar as jovens mães sobre a dor, pois nada adianta dizer sobre esse amor, ele atravessa as expectativas e brilha quando menos esperamos. Coloco alguma consciência quando você está no meu colo e percebo que tenho pressa. Pressa de sair, de conseguir me arrumar antes, de me sentir bonita, de experimentar alguns momentos dos braços livres, de espreguiçar, pegar um copo com água, comer… À luz da consciência perco a pressa e tenho você, meu tesouro encantado, dona de toda a minha vida, a quem entrego a liberdade, o amor, meus braços, meu peito, meu corpo. E você vai tomando o espaço de tudo e às vezes me devolvendo em pílulas algum conforto na suas singelas independências conquistadas: alguns minutos deitada no sofá olhando o lustre, tentativas de conversar em grunhidos com a almofada, silêncio na cadeira de descanso… Até que seu choro ou incômodo me convoca novamente. Não tive tempo de nada, filha, penso inutilmente em fazê-la compreender. Não adianta. Eis que se abre uma oportunidade nova: você mais uma vez em meus braços. Olho seu rosto dormir ou me olhar e sonho em guardar em um cofre secreto esse momento. Choro com você nos meus braços, filha. Choro de amor. (Out/2018)

#maternidadeconsciente #mãedemenina #cartasparaminhafilha 📸 @sitah_photoart

sábado, 3 de novembro de 2018

Oceano




A natureza é mesmo mágica. Um ser completo se formou dentro de mim. E meu corpo o expeliu como se fosse um órgão vital, do qual abrisse mão todo meu organismo. Mas não era um órgão. Era uma pessoa inteira. Uma pessoa pequena mas com todos seus órgãos inteiros, que iria se alimentar de um líquido branco, saído do meu peito. Do leite que não sei como comecei a produzir, como vaca, macaco e baleia também fazem. A pessoa pequena se fez sabendo sugar, chorar, abrir boca e olhos, fechar as mãos para agarrar meu dedo. A comunicação ainda precisa ser toda desenvolvida, nasce inteira mas não sabe falar. Já dorme e sonha. Já mira os olhos das pessoas em silêncio. Já travou uma jornada comprida e desafiadora dentro do meu corpo. Foi como atravessar um oceano no escuro. Sozinha. Eu não era companhia. Eu era o oceano. E, de repente, isso tudo, me torno uma voz familiar, uma mão desesperada que quer atender o choro rápido trazendo esta pessoa pequena ao colo, ao peito, ao leite. E eu me torno outra, um berço acolhedor, em forma de gente, que se molda a ela e às suas vontades. Conectadas por bicos (do seio e da boca) quase parecemos uma. Não somos uma. Somos duas mulheres inteiras se descobrindo.


(Out/2018)

segunda-feira, 24 de setembro de 2018

24a CARTA PARA MINHA FILHA - sobre não saber


"Você ama muito a nossa filha?"
Ele sorria com os olhos repletos de encantamento e amor, querendo se certificar de que compartilhávamos esse deslumbre com a sua chegada.
"Não sei", respondi. 
Não vou mentir a ele, nem a você. O amor é algo que sempre teve um sentimento e um nome em minha vida. O que vivo com você, filha, é diferente de tudo. Se eu fosse chamar isso de amor teria que renomear tudo que vivi. E também não posso dizer que é maior, ou que é melhor, pois estou de tal forma misturada a você que nem mesmo sei me distanciar para compreender e decodificar com palavras a nossa experiência. Acho que ainda estou aprendendo a me amar, me reconhecer, e tentar entender o que estamos vivendo. Até pouco mais de um mês você era como um pedaço do meu corpo, e é como se continuasse sendo, só que fora dele. Porém agora é mais complexo, é como se meu corpo, que tinha vivido quase 40 anos a aventura de se tornar autônomo, tenha se tornado um pedaço do seu, uma extensão da sua boca, da sua fome, de tudo que você possa necessitar. Eu sou um seio, um colo, braços que te acolhem no peito, lábios que te beijam, olhos que se comovem com seu rosto… O que eu sou, minha filha? Além disso eu não saberia dizer… Quem eu sou? Sou sua mãe!

Sabe, filha, a minha educação foi um aprendizado de interrupção dos meus impulsos, de afastamento do meu corpo e reconhecimento das expectativas do mundo. Tornei-me absolutamente mental. Através do intelecto eu busquei sempre atender o que esperavam de mim. Os sentimentos acontecem no corpo, justamente a voz que mais tentei silenciar. Achei que para ser amada seria preciso gostar do que é certo, sentir o que é previsto, ser o que é esperado. Segui esta cartilha. Então a vida me deu você, um caminho novo para o meu corpo, para o meu instinto, uma aproximação dessa carne que sou e que conflita com o que fui até hoje. A voz da minha mente não é suficiente para calar o corpo que quer você perto cada vez que te vê. 

As expressões do seu rosto, seus contornos, o cheiro da sua pele acordam calor no meu peito. É isso o amor? A sua voz, nossa aproximação, os seus olhos que me contemplam e sua boca que me sorri são sinais que não ouso conceber. O que vive e pulsa entre nós é amor? Ou são apenas nossos corações vivos testemunhando a potência da nossa relação? 

Não sei como chamar isso tudo, filha. Não sei. 

Saber foi o que aprendi. Sentir é o que você me ensina. 

E termino esse texto com um eu te amo querendo sair da boca. Você faz isso com o meu corpo, mesmo quando eu não sei. 

#cartasparaminhafilha

sábado, 22 de setembro de 2018

23a Carta para minha filha

23a Carta para minha filha


Você redimensiona o mundo, meu olhar, meu sentir, eu mesma.

A cada olhar para você uma ampliação.

Tens o cheirinho perfumado de uma flor que é humana, plantada por um profundo amor, de dois corpos e duas almas.

Você eterniza uma união efêmera…

Em você seu pai e eu estaremos unidos para sempre.  


O amor que você faz acordar em mim é um território que eu desconhecia e ainda desconheço, é você que me guia ao se revelar e assim revelar uma planície intocada de mim mesma. Cada dia uma descoberta. Descubro você crescer, ganhar bochechas maiores e mais rosadas, um papinho abaixo do queixo, os olhos cada vez mais alertas reconhecendo o mundo. Há uns 3 dias você olha as paredes, os quadros da casa, os violões e máscaras que temos pendurados na sala. Você agora vira o rosto e parece tentar emitir com a boca o som das nossas vozes quando conversamos com você.


Temos tanto tempo juntas, mas esse tempo corre tão depressa. Não é mais o mesmo tempo de antes. Tudo acelerou e também ficou mais lento. Demoro mais para fazer o que eu fazia, o relógio não me espera. Os dias correm sem caber neles as minhas vontades, os meus planos, ou mesmo meu sono. Você dorme por horas durante o dia. À noite às vezes demoro horas para conseguir que você pegue no sono.


Amanhã seu pai volta a trabalhar e viveremos uma nova fase, assim como serão sempre novos nossos dias. Os adultos são tão previsíveis e iguais. Você muda o tempo todo antes que eu me acostume.


Estou sendo uma boa mãe? Você se sente amada? É o que me pergunto e te pergunto quando estamos a sós. Quero tanto que você sinta meu amor...


Amo o seu biquinho que antecede o choro, quando as extremidades das laterais da sua boca descem e seus lábios formam o desenho de uma meia lua deitada para baixo. Tenho pouco tempo quando olho para esta cena, pois meu corpo tem o impulso selvagem de enlaçar você nos braços e do bico dos meus seios jorra um leite puro para alimentar tudo que te falte. Para que nunca falte. Para que eu nunca falte pra você. (Ainda que eu mesma me falte). Sua mãe.


(escrito em 17/9/2018)





quinta-feira, 13 de setembro de 2018

22a Carta para minha filha

“Ela vai crescer rápido”

Ele me disse essa madrugada, com você no colo, no intervalo de uma canção de ninar que balbuciava.

Tive alguns segundos para pensar se estava se referindo a algum conhecimento biológico sobre seu crescimento, mas ele completou:

“Passa tão rápido. Por isso quero aproveitar todos os momentos”.

Desde que você chegou, escrevo este texto no seu 19o dia, seu pai trocou praticamente todas as suas fraldas. A sua vovó também várias e eu poucas. Mesmo assim vivemos momentos muito intensos, só eu e você, enquanto todos dormiam, ou enquanto só havia nós mesmo, ainda que todos estivessem acordados em volta. Você ainda não sabe que sou sua mãe. Você procura meu seio no ar mesmo quando estou muito perto. É como se você nem sequer me visse ou percebesse a minha existência. Sei que bebês são assim mesmo nesta fase, mas eu me enxergo sendo muito sua, um pouco perdida de mim mesma, renunciando minhas vontades, meu conforto, para que não te falte leite, colo, ou companhia. Ainda que esteja tudo misturado pra você, todas as companhias, colos, leite (apesar de nesse caso ser sempre eu), te dão o mesmo conforto, quando você o consegue sentir, o mesmo sono, quando ele chega, não importa muito quem seja… Mas, às vezes, parece que faço alguma diferença quando observo você se acalmar de um choro nos meus braços. E sei que estas singelas situações tem me importado mais porque meus dias tem sido você. Como qualquer ser humano é de fora que acabo procurando o afeto essencial do meu ser. Então, mesmo você sendo tão frágil e pequenina, me pego esperando de você reconhecimento e amor, o que ainda parece muito cedo para que consiga me dar. Sendo assim sou sempre eu que te dou, de uma fonte que eu nem sabia que seria capaz de oferecer, uma nascente interna e abundante, do leite que jorra do meu seio, o seio do meu corpo e do meu sentimento. Assim como você expandia meu corpo, minha pele, agora expande meu coração, um vasto lugar, de onde tiro forças e intensidade para soprar a você potência, alma...


Nossos encontros, em noites mal dormidas, madrugadas adentro, quando só alguns pássaros estão acordados e cantam no silêncio desta enorme cidade, como se soubessem que, ali muito perto, há uma mãe a alimentar sua filha. Esta mãe está exausta e sua bebê chora sem que o motivo fique claro. Aos poucos se esgotam as tentativas de acalmá-la. É sempre o peito que cala o choro e faz dormir, mas isso pode durar uma sequência de horas, até que se instale na penumbra do quarto um intervalo silencioso cujas vozes se apaziguem com o cerrar dos olhos. Somos duas crianças e duas mulheres querendo descanso.


Nina, vou sentir saudade de tudo isso. Mesmo quando tão intensamente desejo que passe. Vou sentir saudade. E, como bem me lembra seu pai, passa rápido, meu amor, passa muito rápido!


(Escrito em 13/9/2018, Nina tem 3 semanas e 1 dia)

domingo, 2 de setembro de 2018

21a Carta para minha filha


21a Carta para minha filha


Quando o amor veio singelamente suspirar suas cantigas de vento em meus ouvidos/

Eu soube, não haveria espera que não te enviasse ao meu corpo/

Nem sonho que não te criasse em meu colo/

O amor vinha sussurrar seus nomes/

Pequeninos e imensos cristais de tocar com dedos delicadamente/

Jamais saberia escolher um para te representar.../

Verdes são as frutos nas árvores intocadas/

Você no ventre ainda imatura a amadurecer tua árvore de leite/

Beberás o leite como uma gotinha orvalhada da noite derradeira/

Sempre sedenta como uma flor no deserto/

Tua alma vem com histórias que vou contar, para que nosso canto nunca cesse/

Um canto feito de vozes, música, danças e doces/

Convertido em beijinhos na face rosada, ou lágrimas de sentir demais você/

Essa água não cabe mais em mim/

Choro meu amor, canto meu amor, nino meu amor no peito/

Uma menina, uma pétala, eu, seu pai: uma família/

Eu te nino, me-Nina, Nina o pai também/

Pois és preciosa e pequenina mas sua grandiosidade nos ensina/

O amor que não sentimos antes/

Guardado estava, pra você brincar. 

#cartasparaminhafilha

domingo, 12 de agosto de 2018

20a Carta para minha filha - Dia dos pais



Sabe, filha? Eu ainda sonho com meu pai. Em como seria a minha vida se ele estivesse aqui. Nos sonhos é como se nada tivesse acontecido. Hoje acordo de um deles e me lembro da sensação boa dele existir e me ajudar no que fosse preciso, dele saber resolver problemas e me dar segurança naquilo em que eu não me sentia capaz. E reflito que essa relação que eu e você criamos pode atravessar nossa vida, além da morte do corpo, de um jeito tão profundo, que eu e seu pai poderemos viver enquanto você viver, através dos seus sonhos, das suas lembranças, do nosso amor, entrelaçado em mil palavras que te escrevo, em lágrimas de saudade que derramaremos, na força de um elo inquebrantável, que não se confirma no sangue, no gene, ou na carne, mas no olhar. O mesmo olhar que você irá sempre me lançar, como o de quem vê uma força misteriosa logo que nasce.  E também o meu olhar, capaz de amadurecer um pouco mais meus olhos, a cada vez que mirarem quem você é. Quem você é, filha? Como chamarei você? Por um nome que seu rosto irá me sussurrar? Ou de filha, como tenho te chamado?

Terei histórias para contar sobre seu avô, mas você só compreenderá através do que irá sentir no peito por seu pai. O brilho que seus olhos vão emitir ao vê-lo cantar, viver, ou te ninar. Será um reflexo um pouco tardio do brilho que sua presença há de fazer emergir dos olhos dele, como o sol faz emergir da água as flores aquáticas, e faz abrir os botões perfumados de todos os jardins. 

Da nossa experiência juntos se abrirão caminhos em seu futuro e por mais que tentemos não interferir você poderá lembrar de nós (como tenho feito com meu pai) além de 40 anos da data que você nasceu. Quando você irá nascer?

Eu já tenho 39, lembro das mãos robustas do meu pai, em uma cor mais jambo que a minha pele, dedos gordinhos e uma letra muito característica e caprichosa em tudo que escreveu meu pai. Lembro de uma alegria que ele buscava para me ver sorrir e me surpreender, mesmo que não a sentisse tanto e sempre. Mas havia seu entusiasmo, esse sim muito genuíno, e sua vontade de viver e testemunhar a vida de suas filhas por muitos mais anos do que a doença permitiu. E, mesmo doente, seu avô me deu a oportunidade de conhecer seu pai, filha, a quem ele reconheceu como a um espelho. É uma história que não me canso de repetir. Todo escritor tem a sua história original, clássica, como se dela nascessem todas as outras, a minha deve ser essa. Escrever é recontá-la, lembrá-la. O dia em que meu pai conheceu o seu. O dia em que vi juntos os 2 dois homens que mais amo. Meu pai reconheceu o seu, como se o estivesse procurando há muito tempo, como se percebesse que ele seria seu pai, filha, “o pai da filha da minha filha”, ele poderia ter pensado. 

Em uma noite desta semana eu acordei várias vezes, seu pai ficou ansioso achando que era um anúncio do seu nascimento. Então ele chegava perto de mim e com as mãos na minha barriga sentia as contrações de treinamento. Não conseguiu dormir mais naquela noite. Ligou várias vezes durante o dia. Ele quer tanto te conhecer. 

Achei que pudesse ser nesta noite. Ele falou que queria esse presente de dia dos pais…[risos]

O dia ainda não acabou. Mas venha no seu tempo. Nosso amor está pronto!

Quem sabe você também tem sonhado com ele como eu sonho com o meu pai. Você vai ver que por mais lindo que sejam os sonhos com nossos pais eles ainda são mais especiais pessoalmente. Você vai amá-lo muito e ele a você (pois já te ama – e também te sonha!). Vem ver, filha!




domingo, 5 de agosto de 2018

18a Carta para minha filha

18a CARTA PARA MINHA FILHA

(Continuando a carta anterior)

Quando nos apaixonamos criamos eixos que sustentam nosso encontro (e reencontro, que precisa ser repetido com a mesma potência para estar vivo e novo). É fato que todo relacionamento duradouro se faz de “recontratos”, pois mudamos sempre, mas o nascimento de uma criança deve ser o que de mais transformador possa acontecer a um casal. Como se de repente a substância de duas pessoas fosse demasiada para seus corpos e inundasse de líquido humano, fértil, perfumado e amoroso um outro “pote” corporal. Você, filha, já nasce banhada pelo nosso amor e emerge dele também. Você é fruto e motivação do nosso encontro, geradora e consequência da nossa união. 

Mas por inspiração nas conversas que temos com Madhuri ( @madhuri_oficial ), a doula, reconhecemos que após o seu nascimento, quando o furacão da transformação tiver passado e deixado suas marcas, precisaremos olhar com profundidade para quem somos, fatalmente seremos outros. Teremos que atravessar a redescoberta da nossa alma para então nos apresentarmos novamente. (Sugestão baseada nos estudos da Madhuri)

“Olha, meu nome é Aline, hoje eu gosto disso, eu não gosto mais daquilo, eu me interesso por isso, para mim é importante aquilo. Para tal coisa eu não ligo mais, porém preciso disso e posso oferecer isso. Para mim relacionamento se tornou isso. Você topa?”

Filha, o seu pai há de fazer o mesmo e me dizer. Poderemos pensar se somos capazes de levar adiante um casamento tão diferente do que aquele ao qual nos dissemos “sim, eu quero me casar com você”, mas sabendo disso parece que será ao menos um pouco mais fácil, estaremos mais abertos a nos compreender e compreender o outro. Pode ser que daremos como resposta: “Vai ser difícil para mim tolerar essa parte! Mas aceito tentar” e também pode ser (sou romântica e otimista, filha!) que nos apaixonemos ainda mais e mais profundamente por aqueles que seremos, após você passar por nós. É assim que sinto. (Continua na próxima carta)

#cartasparaminhafilha

19a Carta para minha filha

19a CARTA PARA MINHA FILHA

Filha, nas horas doces da vida vi muitas vezes escapar, do homem que amo, o seu pai em um sorriso. Saía sem timidez ao olhar um bebê, carregar uma sobrinha, ou te imaginar. Em alguns momentos antes de dormir a se perguntar "já pensou uma menininha dormindo aqui com a gente?"


Desde que ele instalou você no meu ventre esse sorriso tão pouco assíduo foi ficando mais presente e duradouro. Um sol brilhante no rosto dele, um sol todo seu, filha, direcionado para essa lua cheia, crescente, luminosa, na minha barriga. Há meses, quando notamos você se expandir como uma semente que rompe a terra para cumprir seu destino de árvore, ele começou a conversar com você todas as noites antes de dormir. "Está quentinho aí, filha? Deve ser gostoso estar na barriga da mamãe! A gente está te esperando. Vai ser gostoso aqui também. Olha, a saída é por aqui!". Dizia ele apertando levemente meu baixo ventre. Outros dias ele contava algum acontecimento "Filha, hoje fizemos o ultrassom e vimos você!" ou ainda "Hoje a vovó veio aqui em casa e levou umas roupinhas suas para lavar". Também fazia muitas perguntas como se sua voz estivesse disponível para responder e fosse decifrável para nós "Já está dormindo, filha? Tá acordada?" e com as mãos ficava sentindo se você correspondia com algum movimento, como se você estivesse nos ensinando o seu alfabeto próprio que o deixava mais entusiasmado em traduzir "É mesmo? Acordou?" E olhava para mim, como se para confirmar que eu também testemunhava o fenômeno de um pai amar e se comunicar com uma filha que ainda não nasceu. Por vezes meu olhar ficava turvo de lágrimas. Enquanto te dizia em palavras, filha, ele me validava em silêncio, seu pai reconhecia em mim a mãe emanando carne, ossos, sangue, te nutrindo de vida e ele ali, nos nutrindo de amor. O seu pai tem tanto amor dentro de si, que ele se esparge em arte e em ciência, em música e em poesia, em presença e em abraço, em carinho e no sorriso dele. Meu pai, filha, o avô que você não vai conhecer fisicamente quando nascer, dizia que "era um sorriso capaz de iluminar uma sala toda".


Daqui uma semana será domingo de dia dos pais. Fico pensando se você vai querer passar essa data dentro de mim ou no colo do seu pai, se ele estará olhando seus olhos ou o meu umbigo e se estaremos sorrindo de amor ou de ansiedade. Você escolhe, filha!








17a Carta para minha filha

17a CARTA PARA MINHA FILHA

Uma das coisas que tenho aprendido nessa gestação é que, nós humanos, nos distanciamos tanto de nossa essência que precisamos do afeto, na conexão com outros seres, para nos aproximar de novo, não só do outro, mas da gente mesmo. Afinal o outro é apenas uma representação ou projeção do que somos por dentro.

Lembro que meu obstetra, Dr. @brauliozorzellaobstetra quando o questionei sobre a anestesia, me respondeu: “Há uma anestesia natural, que já falei pra você. Lembra qual é?” 
Pensei um pouco se era alguma medicina, fiquei tentando me lembrar, até que me surgiu a resposta: a doula! 
Uma outra mulher (em geral) que estuda o humano, a gestação e o parto e que fica disponível para nos ensinar ou nos lembrar da nossa natureza feminina e potente, sobrevivente e criadora, forte e transcendente...
Quando engravidei eu não tinha claro que ia querer uma doula profissional comigo. Para mim poderia ser alguém da família que se disponibilizasse a essa função, mas conversando com minha irmã @adelitaahmad que viveu 2 partos com doulas diferentes, ela me alertou que como minha irmã não se sentia capaz de oferecer o mesmo que uma doula. Nessa fase em que eu estava fazendo a escolha, primeiro internamente filha, a figura da @madhuri_oficial me veio à mente. Ao menos era uma pessoa conhecida, embora não tão próxima. Pesquisei outras pessoas que me indicaram. Até que somente mais para o final da gestação fui sentindo que minha escolha (ou sua, filha!) era a primeira e mais intuitiva: a primeira que me veio à mente. Então ela propôs alguns encontros comigo e com o Paulo, para nos alinharmos. Ela também é professora de yoga para gestantes e com ela aprendemos posições e exercícios para praticarmos juntos criando um repertório corporal ao qual poderemos nos remeter quando você resolver chegar, filha. Considero também muito preciosas as conversas que ela suscitou para nós como casal, o conteúdo de autoconhecimento e consciência do quanto você irá mudar nossas vidas, do quanto nos seremos outros ao sermos atravessados por você, e do quanto precisaremos restabelecer laços entre duas pessoas novas que nos tornaremos. 
(Continua) #cartasparaminhafilha





16a Carta para minha filha

16a Carta para minha filha

Enquanto publico as cartas que escrevo a você, filhinha, muitos corações nos acompanham. A sua mãe tem mesmo gosto por ser lida e partilhar o que sente. Além de te deixar esses vários símbolos de amor, cada carta também espalha pelo vento do mundo a conexão única que estamos criando mesmo antes de você nascer. Na carta anterior falei da nossa bagagem, que ao nascer já está um pouco cheia, nela trazemos também alguns segredos que aos poucos somos capazes de revelar a nós mesmas. Não são inventados, só mal compreendidos. São origens anteriores a nós. Veja só, filha, eu com esse prazer pela escrita e minha mãe cursou Letras. Eu com meu amor pela educação e minha mãe e pai são pedagogos. Jung, um homem muito admirado por nossa cultura, querida, e que deixou uma linda obra de pesquisa sobre o humano e nosso inconsciente (onde provavelmente esta bagagem se situa), tem uma frase muito boa que diz mais ou menos assim: “Nada influencia mais os filhos do que a vida não vivida de seus pais”. Todos os sonhos que eu não viver pode ser que sobrem como peso na sua bagagem. Preciso viver meus sonhos!

Porém não sei se Jung previu que podemos também ser escolhidos por almas que compartilham nossos sonhos. Acredito que de alguma forma escolhi assim meus pais, os que já amavam o que eu também amava, mesmo antes de mim. Como e por que será que você nos escolheu?🙏🏻💜 #cartasparaminhafilha

📸 @sitah_photoart





 #cartasparaminhafilha
📸 Sitah

sexta-feira, 3 de agosto de 2018

15a carta para minha filha

15a Carta para minha filha


Como é sábia a natureza, filha!

A mulher tem 9 meses para tornar-se mãe. Um tempo de mergulho em si mesma. Acontece ou acontece. Algumas podem viver isso propositalmente com entrega e consciência. Quando não é possível existe o sono incontrolável que toma as grávidas. Não é só cansaço, é tempo para se assimilar internamente todas as transformações. O sono permite os sonhos, as imagens e histórias inverossímeis que formulam na alma o que precisa ser vivido ou revisto, revisitado. Também é comum que a gestante se torne mais seletiva, escolha melhor com quem irá encontrar, de quem irá se aproximar ou distanciar. Às vezes o distanciamento pode ocorrer mesmo de pessoas muito amadas, mas se alguma convivência não está trazendo amor e acolhimento, sem nem notar, a gestante se afasta, e não faz isso por si mesma, mas pela criança que carrega e que não pode se defender sozinha. É o instinto materno protegendo a cria. Não é incrível? 


Olhando para trás, nesses meses, filha, me percebi algumas vezes em conversas desagradáveis. Lembro que logo minhas mãos tocavam a barriga na tentativa de criar uma barreira para aquele conteúdo não atingir você. Também me notei mais caseira, querendo mais horas de descanso, sono, ou de lazer divertido e gostoso que fizesse bem pra mim e pudesse agradar você também. Acho que fiz essas coisas com pouca consciência e escolha, por isso celebro a minha natureza feminina que me guiou nessas direções. 


O mundo está evoluindo mas continua um tanto despreparado para compreender os processos internos humanos. Carregamos a bagagem do nosso passado e dentro dela a bagagem de todos nossos antepassados com as percepções deles, dores, mágoas, alegrias e belezas de todo o tipo. Essa hereditariedade está ainda mais presente na gestação, na maternidade e na paternidade, porque justamente estamos ampliando para mais uma geração que irá carregar a nossa bagagem. Quando abrimos essa “mala” de conteúdos inconscientes e procuramos compreender (o que implica nos compreender), damos a oportunidade de que o próximo carregue uma bagagem mais leve. Tenho tentado aliviar o tempo todo o peso da sua bagagem, filha.

📸 @sitah_photoart 



14a Carta para minha filha

14a Carta para minha filha

Já me sinto mais ansiosa, filha. Às vezes preocupada. Já estamos juntas há meses e parece que foram passos que você deu na minha direção. Ou na direção da minha vida. Você está prestes a bater na porta do meu mundo. Um outro, além desse que tenho sido pra você. Não temos hora marcada, previsão exata de chegada. Sua avó (@lauriav) diz que é como se você estivesse já com as malas prontas para a viagem, pode acontecer a qualquer momento. E abro o seu armário e vejo suas malas prontas mesmo, com suas primeiras roupinhas, suas mantas quentinhas, tudo separado com tanto amor. Você tem de tudo. Pequeninas coisas. E você me tem. Você tem a mim, você tem a seu pai, suas duas avós, um avô, (outro que pode estar guiando seu espírito com o afeto que inspirou a minha vida), tias, tios, primas... Somos a constelação na qual você vem brilhar. 
Ainda não conheço o brilho dos seus olhos, mas sei do brilho do olhar dessas pessoas para você. Já vi todos eles sorrindo e amando. Algumas dessas mãos já te acariciaram, distantes de ti apenas pela minha pele. Algumas vozes te disseram doçuras e lábios te dedicaram beijos e eu que recebi essas ternuras, filha, mas são todas pra você. Procuro guardá-las como a um tesouro, a herança mais valiosa que eu poderia deixar: o amor!
Ninguém em sã consciência troca amor por fortunas materiais. Pois nós humanos vivemos sem luxo, mas não sobrevivemos sem amor. Para viver precisamos do outro. Você nascerá dependente desse amor, do meu leite, dos meus olhos mirando os seus e eu me sentirei mais dependente de toda essa rede de pessoas para me amparar e me deixar inteira para tudo que desejo te dar. Para que não te falte meu amor espalhado em tudo que quero e preciso oferecer a você. Só da centelha desse amor nascerá a sua jornada, filha. 
💜
#cartasparaminhafilha
📸 Sitah Ji




quinta-feira, 2 de agosto de 2018

13a CARTA PARA MINHA FILHA

13a Carta para minha filha

São tantas lindas fotos com você oculta na minha barriga. Esta, de um mês atrás, com 34 semanas (acho!), e já me sentindo explodindo. Mas a gente vai e se expande mais. Viver já é ultrapassar limites, “maternar” é mastigá-los, bebê-los, até se constituírem naquilo que somos. 
Eu não tinha mais para onde crescer, mas você foi me impondo seu espaço, e toda mãe cresce por dentro o tamanho que se expande por fora. 
Estou aprendendo a me amar. Amando mais meu corpo, que carrega você, filha. Amando a barriga que sempre evitei mostrar. Agora, com você dentro, é a parte mais linda de mim. Também é a que seu pai mais se orgulha, sabia?
Ele diz para os amigos, quando estamos juntos: “você viu a barriga da Aline?”, como se estivesse mostrando a filha.  Ele sorri e ri enquanto conversa em voz doce com você todos os dias antes de dormir. Você sempre se mexia ao ouví-lo, mas agora tem ficado mais quietinha neste momento. 
Esses dias, em uma meditação, vi você com aproximadamente um ano, saindo de uma luz e caminhando na minha direção. Tão linda! Usava um vestido azul escuro, parecia jeans, andava como se tivesse aprendido há pouco tempo e vinha na minha direção. A medida que você caminhava eu a amava e admirava cada vez mais. Vi alguns traços da sua beleza... Os cabelos eram negros e lisos (será que serão assim?) Será que vi você ou era apenas uma projeção?
Em breve nos veremos do lado de cá e em algum tempo terei certeza se vi sua alma caminhar ou apenas se meu coração a imaginou. 💜
#cartasparaminhafilha


domingo, 29 de julho de 2018

12a CARTA PARA MINHA FILHA

12ª CARTA PARA MINHA FILHA


De que lugar do universo vem essa força, esse Ser que já me habita com suas vontades próprias e expressões? Parte de você filha, parece ter vindo de dentro de mim e de dentro do seu pai, assim demos origem a sua carne, ossos, sangue, sua matéria, o corpo com que viverá a aventura da sua vida no planeta Terra. Mas há também sua parte sagrada e etérea, sua alma sublime e potente, a música da sua existência, a essência do seu Ser. Acredito que não vem de mim, nem para mim, mas para o mundo. Para mim somente na medida que sou parte deste mundo, e que agora o represento, na esfera do meu útero: o mundo todo pra você. Sinto-a navegar nas águas do meu mar e do meu amar. Você ainda passará pela minha terra, um portal que dará você à luz. 

Por muitas vezes refleti sobre esse termo “dar à luz”. O parto é a primeira dissociação de nossos corpos em que sabiamente a nossa linguagem nos indica que eu a estou dando, mais que a recebendo. 


Preciso sempre me lembrar!


E quem te recebe é a Luz. Provavelmente esta, sim, a de onde realmente você veio. 


Seja sempre bem-vinda, filha, ao lar iluminado que te deu origem, de onde se preencheram de alma todos os seres, e todas as coisas belas e puras!


Bem-vinda! 

#cartasparaminhafilha

Foto: @sitah_photoart



sábado, 21 de julho de 2018

11a Carta para minha filha

Filha, ontem estava lendo sobre reconciliação com o nosso passado. Você ainda nem nasceu e sinto como se já criássemos juntas registros na sua vida. Meus sentimentos emitindo impressões nos seus. Minha vida tocando a sua. A sua tocando a minha. Estamos tão nuas uma para outra, tão próximas como jamais estaremos novamente, imagino. Sabemos uma da outra como a nós mesmas e desde sua chegada em meu ventre estamos criando um passado único. Há meses partilhamos os mesmos registros, as mesmas emoções, o mesmo alimento, o mesmo corpo. "É preciso se reconciliar com o passado", li ontem. Sim o passado anterior a você recobre meu presente com as marcas que ficaram. Revejo sobretudo minha mãe, o que ela foi para mim, o que ela é para mim, o que eu sou. Quanto dela ficou no que sou, quanto preciso me reconciliar com ela e com o que fomos. Observo que as mães desconhecem o olhar dos filhos para elas. As mães tem sua própria perspectiva amorosa de como criaram os filhos e se dedicaram a eles com o máximo que puderam oferecer. As mães são generosas, o olhar profundo para elas não é generoso, é humano. E é preciso esse olhar humano para alcançar a mãe dentro de nós, a que gerou e soprou a vida em nós. É preciso passar pela ausência da mãe, pelas imperfeições da mãe, por sua humanidade, para chegarmos a sacralidade da grande mãe: a natureza, a terra, o mar, grandiosos símbolos acolhedores da nossa vida, que nos dão o que comer, onde pisar, onde nos levar.. A mãe é a origem, o chão. Sem a mãe simbólica e única que criamos em terrenos supraconscientes do nosso Ser, não temos apoio para os pés, para caminhar no mundo, nem passagem para adentrá-lo, nem vida que nos alimente a alma. Quando falta a mãe precisamos criá-la recolhendo em nossas próprias raízes os restos de nós mesmos.


Vou falhar filha, vou me culpar pelas falhas. Essa tem sido a cruz das mães do meu tempo, as que observam mais e que se cobram mais. Com os olhos mais vivos essas mães, nas quais me incluo, reconhecem imediatamente as marcas que estão deixando, tatuagens na pele sensível dos filhos. Quanto mais aprofundamos o olhar para nossas mães, fica mais claro o olhar para nós mesmos. Também as descobrimos em nós, decodificamos as repetições, boas ou más. Somos aquela mãe também. E a vida competente na capacidade de nos ensinar, nos presenteia com o perdão. Quando erramos ficamos mais doces para perdoar quem julgávamos ter errado com a gente. Quando compreendemos nossas pequenezas, nos abrimos para aceitar que todos podem ser pequenos também, inclusive nossas mães. Quanto de humildade recebo me tornando mãe! Não sou perfeita, nem posso mais sonhar ser. Nem sonhar que poderiam ser melhores comigo. Como me ensinariam tudo que tenho aprendido? A frase mágica que sempre me liberta das lamentações: "Vivemos exatamente o que precisamos viver para aprender exatamente o que viemos aprender". Chega de lamentar como poderia ter sido, como gostaríamos que fosse! Esta vida, tal como é, é a única forma possível de aprendermos exatamente o que viemos aprender. Controlamos nossas escolhas, mas não controlamos o que nos acontece quando escolhemos. E, ao mesmo tempo, podemos controlar o que faremos diante do que acontece…


Outra frase mágica, filha. Mágica porque nos tira da ignorância, da ilusão, com poucas palavras. "Não é o que nos acontece que nos marca, mas o que fazemos com o que nos acontece". Todo abismo pode representar uma queda, mas se formos pássaros podemos voar. Atravessar abismos com as asas dos sonhos que sustentam nossa realidade. Somos esse vôo pela vida. Um dia voamos, livres do passado. Meu sonho é que eu possa viver intensamente tudo com você, para que não me lamente de nada quando você voar de mim, de nós, de todas nossas memórias, para o céu do seu existir sem limites. Sem os meus limites. Sem os nossos limites. Que você seja livre, filha, LIVRE! Que nenhuma corrente possa impedir seu vôo. Nem as suas próprias. Que você aprenda a se soltar.


É preciso se reconciliar com o passado, filha!



quinta-feira, 19 de julho de 2018

10ª CARTA PARA MINHA FILHA

10ª CARTA PARA MINHA FILHA

Filha, nossa reta final, últimas semanas.
Um misto de sentimentos me toma. Uma alegria antecipa sua vinda com ainda mais abertura do meu coração. Tenho junto um pouco de cansaço, sono e também alguma tristeza. Talvez eu esteja começando a me despedir de mim. Um eu que nunca é assim tão verdadeiro quanto o que a vida futura é capaz de me oferecer. Despeço-me do que fui. Algumas fraquezas às quais estive apegada, vitimismo… Mas o país dos sentimentos é sempre confuso. Não se pode lê-lo com as ferramentas do mundo. Não há escola que ensine o seu idioma ou tradução. Então me sinto submetida a um mundo que não compreendo completamente e preenchida de um mundo novo que é você!

Ontem fomos na Bárbara para a segunda consulta com ela, a enfermeira obstetra, uma das pessoas da equipe humanizada que nos assistirá no parto. Enquanto escrevo essas palavras você se move no meu útero, como se soubesse sobre o que está por vir. Você sempre se move quando o assunto é parto, seja se sou que quem fala, ou se sou eu quem ouve. Estamos juntas nessa! 

Na primeira consulta a Bárbara me fez uma série de perguntas que eu considero importantes. Pois o que vivemos no passado pode delinear nosso futuro, sabia, filha? No passado eu fui uma criança como você, na barriga da minha mãe e a Bárbara quis saber como eu saí de lá, o que eu ouvi da minha mãe sobre esse parto, o que minha mãe viveu depois com os partos das minhas irmãs, como foi para ela. Olha que forte, filha, as minhas experiências e o meu discurso tem o poder de determinar suas percepções de mundo, assim como fizeram os sentimentos a absorções da minha mãe comigo. Quando falo e relembro isso tudo, tomo consciência, trago para um campo mais claro o que eu sou e o que estamos vivendo. Com mais clareza surgem as escolhas que podemos fazer, pois no planeta há milhares de pessoas vivendo automaticamente, sem fazer uso das escolhas ou sem tomar consciência sobre si mesmas. Eu já fui uma dessas pessoas, e nada me impede de voltar a ser. A verdade é uma prática. A verdade é movimento. É um rio. Não é uma água parada. Só se mantem a existência da verdade quando a deixamos correr para o mar. Somos assim também, feitos de água. É no movimento constante de auto-observação que somos capazes de conhecer quem somos e retomar a consciência que perdemos constantemente neste mundo nebuloso que chamamos: realidade. Nós criamos a realidade. Cada um cria a sua. E, fatalmente, a mais forte e primeira influenciadora da nossa “fantasia” é a mãe. Para mim foi a minha mãe, sua avó. Para você serei eu. Muita responsabilidade. Por isso preciso me despedir de mim. A natureza já faz isso. Nem sempre somos capazes de perceber. Mas para nascer a sua vida uma morte mais profunda que a física está prestes a acontecer. É comum que na última fase do trabalho de parto as mulheres se remetam à morte: “Eu vou morrer!”ou "Estou morrendo” ou ainda “Não quero morrer”, essa morte metafísica antecede o nascimento dos filhos. Nasce também a mãe e o pai. 

Na consulta de ontem minha principal preocupação era se a sua cabeça já estava na posição, passei dias de ansiedade pensando nisso, com algum medo… Conversei com você, pedi, mas somente quando a Bárbara me examinou e confirmou que sim, você já tinha virado a sua cabeça e o seu corpo no sentido correto e que dificilmente isso mudaria daqui pra frente senti vontade de chorar de emoção, segurei as lágrimas por timidez, e só então percebi o quanto de sentimento eu estava acumulando... Eu não queria que a consulta acabasse mas apesar da disponibilidade dela eu não tinha mais muito o que perguntar. Já tinha perguntado de tudo que me veio à mente e ainda me faltava espaço para falar um pouco mais. Fui adentrando um lado meu que oprimo, embora não pareça, eu evito chorar ou expressar minhas verdades. As verdades mesmo eu escondo até de mim mesma, principalmente as dores, mas eu não quero que seja assim pra você. Porém não está sob meu controle. Eu só tenho a mim para transformar… O melhor que posso fazer por você é buscar a cura de mim mesma. Eu busco, filha, busco. 🙏🏻💜🙏🏻

Aline Ahmad🧚‍♀️ (na foto com minha mãe Avanil Ahmad. O vestido foi um presente dela, feito pela mesma estilista que fez um vestido para ela quando estava grávida de mim, a Helenice Barreto. Inspirado no modelo da minha mãe de 1979, ano em que eu nasci)


domingo, 15 de julho de 2018

O portal da mãe

Cada criança que chega traz a sua luz para iluminar o mundo. A mãe é o portal que entremeia os mundos. É como o nascer e por do sol no limiar do dia e da noite. Pela passagem pelo corpo (e alma) da mãe — e de forma muito mais sutil, do pai também — chegamos ao planeta imantados e somos “animados”, no sentido de preenchidos de nossa própria alma, conforme recebemos o sopro do amor, do reconhecimento e  da atenção dos que estão ao nosso redor. Como soprar a vida em um bebê sem estarmos nós mesmos preenchidos da nossa alma?

Antes de ser esse portal eu precisei buscar a mim mesma. E somente no momento último, quando a energia de uma criança pousou no meu útero, foi que eu realmente me senti preenchida. Como se concebê-la e gestá-la fosse o artifício que faltava para tornar-me eu. Ela também tem me soprado a vida, preenchido meu corpo e me permitido ser sagrada. 


Foto: @sitah_photoart 



O portal da mãe

Cada criança que chega traz a sua luz para iluminar o mundo. A mãe é o portal que entremeia os mundos. É como o nascer e por do sol no limiar do dia e da noite. Pela passagem pelo corpo (e alma) da mãe — e de forma muito mais sutil, do pai também — chegamos ao planeta imantados e somos “animados”, no sentido de preenchidos de nossa própria alma, conforme recebemos o sopro do amor, do reconhecimento e  da atenção dos que estão ao nosso redor. Como soprar a vida em um bebê sem estarmos nós mesmos preenchidos da nossa alma?

Antes de ser esse portal eu precisei buscar a mim mesma. E somente no momento último, quando a energia de uma criança pousou no meu útero, foi que eu realmente me senti preenchida. Como se concebê-la e gestá-la fosse o artifício que faltava para tornar-me eu. Ela também tem me soprado a vida, preenchido meu corpo e me permitido ser sagrada. 


Foto: @sitah_photoart 



sábado, 14 de julho de 2018

9a CARTA PARA MINHA FILHA

9a CARTA PARA MINHA FILHA

Meu amor, os meses de gravidez são longos para a sua espera mas curtos para que eu consiga preencher com tudo que gostaria. Eu me sinto ligada à você. A sua presença também me preenche de mim, da vontade de me presentear sendo mulher e viva, sendo encantada e bela. Encantada por esta outra vida impregnada no meu corpo e na minha alma. Só mesmo o encanto da matéria concebe a mágica deste mistério em que um outro corpo é gestado no interior do meu. O fenômeno se repete em toda parte e ainda deslumbra. É como a natureza, o sol nasce e se põe, as sementes se tornam árvores, os animais geram filhotes, a poeira na ostra converte-se em pérola, e você, fruto de um profundo amor, se tornará uma mulher! Minha filha!


Eu não tenho mais buscado por seu nome, nossa relação está selada pelo encontro da mãe que sou para você, e da filha que você é para mim. Sinto que os outros vão te chamar pelo lindo nome que surgir dos seus olhos e do seu respirar. De alguma forma espero saber decifrar sua linguagem e em seu  lugar pronunciar sua palavra-identidade. Mas enquanto tantos o usarão, você continuará sendo para mim: filha, minha filha. Ainda que jamais venha a me pertencer, mas “minha” como Saramago escreveu, no “Conto da Ilha Desconhecida”: por ser amada. Afinal amar deve ser a melhor forma de ter, e ter deve ser a pior forma de amar. Não pretendo te ter, mas você será minha pelo amor que nos liga uma a outra. E eu sua, sua mãe. Para sempre!


O encanto você me trouxe e a beleza, pela qual me sinto penetrada nesse estado gestante, foi registrada em um ensaio da artista e fotógrafa @sitah_photoart 

Veja também: @sitah_fineart 

Assim me presenteei, filha, repleta de você e de mim!💜🌷💜




terça-feira, 3 de julho de 2018

8ª CARTA PARA MINHA FILHA



(Escrita inicial em: 27/5/18)
Filha, recebi uma mensagem arrebatadora da sua tia:

“Line quando puder converse e conte pra ela de mim.... talvez ela não saiba de mim, que estou longe. Mas to pensando nela daqui”

Ela ainda colocou uma carinha chorando e corações na mensagem. Ler aquilo me fez chorar, filha, pois temos uma ligação muito forte e próxima e foi como se eu compreendesse os sentimentos da minha irmã, mesmo longe de mim, principalmente agora que estou grávida de você. A sua tia esteve presente nos momentos mais importantes da minha vida. Então resolvi te escrever sobre irmãos. Essa tia, a Andreza, ou tia Deza, foi a minha primeira irmã. Depois nasceu a Adelita. Seu pai também tem uma irmã maravilhosa, a Marília. Não tenho dúvida de que você amará todas elas (como eu também amo), irá aprender com elas, ensinar o que só seu espírito sabe, e ser muito amada. 

Eu, como você, fui a primeira filha dos meus pais. Seu pai também foi o primeiro filho. Só que, diferente de nós, pode ser que você não venha a ter uma irmã ou irmão... Então preciso mesmo te contar o que significa isso. 

Eu não me lembro dos fatos, mas lembro do que eu senti. Eu tinha 2 anos e meus pais só para mim. Os pais são tudo na vida da criança. Tudo mesmo. O mundo todo. E me emociona pensar que já sou isso pra você. Todo seu entorno, e que continuarei sendo por algum tempo após você nascer. Todas as suas referências e inspirações vão vir desse lar, no início principalmente da nossa relação, e em segundo plano de como você enxergará seu pai e nós, a nossa família. As experiências que viver com a gente construirão as suas crenças e elas serão para você as suas verdades sobre o mundo todo. Forte isso! Assim era na minha infância. Até que meses após completar 2 anos a tia Deza nasceu. Foi como minha primeira tragédia, filha. Eu lembro do sentimento. Como se uma dor profunda tivesse me atravessado. Eu, com 2 anos, não sabia elaborar ou compreender aquilo. Já mais velha, lembro que meus pais contavam que a tia Deza era a bebê mais linda da maternidade. Grande, saudável, loirinha... Que todos queriam conhecê-la. Se assim foi na maternidade, imagino que também assim tenha sido na vida. E imagino que tenha se repetido um ano e alguns meses depois, com o nascimento da sua outra tia, Adelita. Ambas eram lindas e loirinhas. Meus cabelos eram mais escuros. Não sei, mas fiquei com a impressão filha, de que no Brasil, por ser menos comum os cabelos mais claros, achei que as crianças loiras eram mais amadas. E é assim mesmo que construímos nossas “meias-verdades”, concluindo bobagens a respeito de experiências vividas. Sobretudo as experiências de dor, e tentando encontrar explicações plausíveis para os nossos sentimentos. Aliás, talvez eu devesse dizer: para os nossos sofrimentos. Lembro da sensação de ter sido deixada de lado, de não receber atenção, não só dos meus pais, mas de todo o mundo em volta. Quase como se eu tivesse me tornado invisível e todos que chegassem na casa, ou perto da nossa família, de alguma forma, só tivessem olhos para elas. Chamamos os olhos do corpo de “janelas da alma”, é por onde podemos penetrar no universo interno do outro. Eu diria que os olhos são também uma fonte límpida de onde a alma pode ser jorrada para fora, para alimentar os outros de amor e atenção. Eu precisava desta fonte. Todos em algum nível precisamos ser vistos, notados, percebidos. É como se de fora recebêssemos um sopro sagrado que nos preenche de vida, confiança e amor, através do olhar do outro para o nosso Ser. 
Com o tempo e maturidade vamos descobrindo que essa fonte não está fora, é apenas a expressão do que trazemos dentro. E eu, filha, acredito que essa construção interna, ou o caminho para chegar à sua própria luz, pode ser mais suave se desde o início dos seus dias eu souber proporcionar boas impressões suas sobre o mundo, sobre mim, seu pai e, principalmente, sobre si mesma. 🙏🏻💜 
Bom, acabei me aprofundando um pouco e deixando de contar sobre as minhas irmãs, filha, suas tias. Elas foram um sopro sagrado que me preencheu de vida e de amor. Ainda que tenha me custado algum sofrimento, foram as cúmplices da minha infância, as testemunhas e coprotagonistas de tudo que vivemos juntas. Foram sobretudo minha maior alegria e doçura. Lembrar disso cura as feridas. O amor foi infinitamente mais amplo, se expandiu com a chegada delas. Então filha, caso você não tenha mesmo irmãos eu sinceramente torço para que você edifique relações análogas com primos e amiguinhos. Nunca será a mesma coisa. Mas isso não importa. Até porque eu preciso aceitar que é a sua vida, não a minha, e que é única. O seu caminho não está completamente sob meu controle, nada está, mas é minha responsabilidade oferecer o meu melhor a você. Eu me entrego em cada carta e espero pelo nosso encontro procurando me comunicar com você nessas palavras. 


sábado, 23 de junho de 2018

7a carta para minha filha

Você vivia pequenininha escondida na minha barriga que demorou a ficar arredondada e vistosa. Nem percebiam que eu estava grávida de uma luz tão brilhante como a que você é e que me ilumina por dentro. Eu procurava no espelho todos os dias e parecia que jamais o seu tamanho teria as proporções que os olhos das pessoas poderiam captar. Mas, de repente, de uma semana para outra, como de um dia para outro, não sei ao certo quando, a minha barriga foi crescendo de tal forma, que você ficou evidente. O porteiro que eu sempre comprimento mas nunca tinha falado sobre você se manifestou: “Pra quando?”

A recepcionista da academia (que me vê praticamente dia sim, dia não) me falou: “Nossa! Como está grande!” E o seu pai, filha, passou a conversar, cada vez mais, diretamente com você. Diretamente e diariamente. É a cena mais linda do meu dia. E você responde se movimentando. Eu também adoro a voz dele. Parece que nosso gosto é parecido, filha!

Para que saiba como está sendo tudo para mim: tenho pensado muito no nosso encontro aqui fora. No parto. Na equipe médica que vai te nos assistir e cuidar de mim, nos exames e consultas que ainda faltam e nas coisas que eu gostaria de fazer mas que não sei se acontecerão em tempo... Eu queria um dia de bênçãos, com os amigos próximos, para criarmos uma rede de pessoas para te receber. Um núcleo amoroso e terno. 🙏🏻💜 Eu queria encomendar lembrancinhas para dar às pessoas que amo e que quero que estejam por perto a partir do seu nascimento. Queria já ter definido seu pediatra (marquei uma consulta), a minha doula (está quase!) e a decoração do seu quarto. Ao mesmo tempo que sinto que as coisas práticas estão atrasadas, o meu coração não está distraído com tantas tarefas e está tomado do perfume inebriante da sua alma. É como se você não se importasse com nada disso... É como se você me perdoasse o desleixo ou descuido com a matéria e compreendesse a minha essência etérea, um pouco (ou muito!) aérea, que está com você o tempo todo. Sinto que cuido de nós em um outro nível, invisível e intocável pelos outros, um mundo imaginário e vivo, de candura e poesia. Lá caminhamos agarradas e acolhidas, eu por você e você por mim. Ninguém nos vê, mas nos sentimos assim, ainda um pouco misturadas e parte uma da outra. Pelo menos até você nascer! 

Não  sei quantos anos levaremos para ser duas, depois de tão intensamente sermos uma 💜

(23/06/2018, 6:19 AM)



domingo, 10 de junho de 2018

Quem não quer ser amado?

#30semanas

O que estou sentindo? 

Alegria, com a gravidez. Sensibilidade, com o mundo. 

Continuo querendo ser gentil. Mas continuo querendo gentileza também. 

Continuo querendo oferecer amor ao mundo, mas para dar precisamos ter. Às vezes estamos frágeis, já se sentiram assim? Às vezes não temos para dar e a solução é se recolher e se preencher do amor do nosso próprio coração. No fundo ainda quero mais ser amada do que amar. Quem não quer ser amado? 

Somos condicionados a acreditar que para sermos amados temos que fazer isso ou aquilo, ser de um jeito ou de outro (cada um inventa suas regras e as toma como verdades). Às vezes até alcançamos algum grau de admiração. Mas essa não vale... Não preenche. Porque foi preciso muito sacrifício para conquistá-la. Não foi espontâneo. Então é como se não nos tivessem amado pela nossa verdade. Se ficarmos relaxados sendo nós mesmos, seremos amados? Ou ser amado requer um esforço nosso? Se decepcionarmos, seremos perdoados?


Não sou perfeita. Sei que a maternidade vai me mostrar isso ainda mais, como também é provável que vou me cobrar ainda mais... Eu tenho muitos defeitos e acho mais saudável reconhecê-los que apontar os defeitos dos outros. Só assim sou capaz de aprender. 

Já falhei como amiga, como filha, como sobrinha, como chefe, como irmã... As pessoas criam expectativas sobre nós, sobre como devíamos ser ou fazer. Também fazemos isso com os outros. 

Sem nos comunicar fica difícil esclarecer qual a expectativa que estamos ou não atendendo. Isso se chama feedback. 

Como falei no início, estou grávida, sensível, procurando me resguardar e resguardar a minha filha. Para completar fui diagnosticada com uma pneumonia benigna, um vírus (metapneumovirus) que às vezes me abate (ou será um abatimento emocional? Ou natural da gravidez?) Tudo isso para que você leve em consideração meu estado e também pontue o seu. Pois é a partir do nosso estado que nascem nossos pensamentos, palavras, sentimentos e ações. E, mais importante, peço que me passe abertamente por aqui ou no privado o seu feedback sobre mim, me apontando se decepcionei você (já peço desculpas antecipadas) e como posso ser melhor que sou🙏🏻💕


(Escrito em 4/6/2018)



6a Carta para minha filha - Vim neste corpo

CARTA PARA MINHA FILHA

Vim neste corpo conhecer sua alma e forjar o seu. 

Vim desconhecendo esse destino escrito com a mão de Deus. 

Vim de desertos, tecelagens, estaleiros, gerações de antigas mulheres

Vim ser sua mãe! A que costura seus ossos, sangue e carne, e tece o seu pensamento com o que sinto. 

Vim ser sua morada quente, redoma viva de água transparente. 

Vim caminhando sem saber, constituindo o meu próprio ser para alcançar a dignidade de receber você. 

Somente quando estive minimamente em mim é que pude ser preenchida por sua vida. 


Há meses que a alimento e a sonho. Que sinto seu mover e me emociono. 

Há meses que sou habitada por uma outra luz que mal posso conter. 


Recebo o amor do mundo às gestantes, como se estivéssemos grávidas de um sonho comum a todos: o novo que virá!


Você é este novo que não me encerra. 

Sou o portal de tudo que é efêmero para você. 


E você o meu portal para tudo que é eterno na matéria. 


Hoje você vive em mim. Amanhã eu que viverei em ti. 


(Aline Ahmad)


9/6/2018






sábado, 2 de junho de 2018

9 anos com você, Paulo!

Há 9 anos eu estava me preparando para te encontrar em Seattle. (E você para me receber)
No dia 3 de junho eu cheguei no aeroporto de Tacoma e você me esperava com um buquê enorme, a sua bermuda preferida (que anos depois você deixou na tribo Yawanawa) e seu mesmo sorriso encantador. 
Havíamos nos prometido um abraço de um minuto, mas eu ainda estava tímida perto de você. Você não. Você queria ficar bem perto de mim logo de cara, parece que nem me estranhou depois de tanto tempo. 

Com certeza este foi um dos dias mais felizes da minha vida. E um dos mais lindos também. Que dia lindo estava fazendo!(Como não ter escrito um livro para contar esta história?)

Horas depois, quando eu estava em seus braços e você em mim (e de onde não saímos desde então), você me pediu em namoro. 

Em 3 de junho de 2009...


sábado, 26 de maio de 2018

5ª carta para minha filha

5ª CARTA PARA MINHA FILHA 


Oi, meu amor!
Nesta carta quero te falar sobre ser mulher. 
Dizem que em algum momento, nos primórdios da humanidade, a mulher tinha status de deusa nas comunidades e tribos primitivas. O único ser capaz de gerar vida! De seu corpo saíam as crianças para embelezar o mundo e dar continuidade aos tempos. O homem ainda não tinha se dado conta de sua parte no processo. A impressão era de que a vida era gerada sozinha, pela mulher, pois os povos eram nômades, selvagens, e não se considerava a influência de um ato acontecido 9 meses antes ao nascimento do bebê. É por isso que dizem também que a mulher é mãe milhares de anos antes do homem se perceber pai. (Ao que me parece um caminho cujo os homens, em geral, ainda estão trilhando e evoluindo a cada geração, assim como nós mulheres também o retomando com consciência). Até que surgiu a agricultura, os povos passaram a não se deslocar e o homem viu a concepção gerar uma barriga e depois uma criança, até de alguma forma concluir, “esta criança quem gerou fui eu”, ou “eu sou o poderoso gerador da vida”. Acredita-se que a partir disso uma história de desrespeito com o feminino pode ter se iniciado. O masculino tomou o poder. Historicamente conhecemos poucas mulheres, a história da humanidade, a ciência, é contada, em grande parte, pelos homens... Em passos muito pequenos nós mulheres vamos conquistando o nosso espaço na sociedade.  
Você, minha querida, vai nascer em ano de eleição, quando as pessoas têm o direito de escolher seus governantes, os líderes que irão nos representar por alguns anos no comando do país e dos estados. Mas veja só, não faz nem um século que as mulheres conquistaram o direito de igualdade de voto no Brasil. Foi em 1932. Talvez pareça bastante tempo para você, mas a avó do meu pai, que eu conheci, foi uma mulher que viveu nesse Brasil em que somente os homens tinham o poder sobre as decisões públicas. Esta conquista aconteceu um pouco antes para as finlandesas, em 1906. Já para as sul-africanas somente em 1993, quando a mamãe já era uma adolescente de 14 anos. Ao passo que para as árabes (da Arábia Saudita) somente em 2011. Com essa comparação parece que este país é um pouco menos hostil com as mulheres, porém tudo que se passa no planeta é sentido por nós de alguma forma. Estamos ligadas a todas as mulheres do mundo, ao feminino invisível, e também aos homens, que são gestados por mulheres e que, de alguma forma, não conseguem quebrar o poder da cultura, dos costumes, que ainda depreciam o valor do feminino. Estes e outros acontecimentos, filha, estão cravados na carne, no sangue, no DNA humano. Somos descendentes de barbáries e temos na alma o sentimento do que mulheres e homens viveram em todas as eras planetárias. Estamos conectadas a esses sofrimentos mas também à violência que foi (e é) praticada por humanos como nós. Em qualquer lado é sempre alguém como nós. Não podemos esquecer disso. Mas eu quis te contar sobre as mulheres, a condição em que nascemos, para te falar de um homem que eu tenho admirado e que tem me lembrado muitas vezes sobre o meu próprio poder (eu me esqueço, filha, eu e tanta gente em volta!). É o médico que escolhi para “assistir” o seu (nosso!) parto. A cada consulta pequenas coisas que ele diz me tocam profundamente. Há uma beleza em estar diante de um homem que realmente compreende e sente tudo que estou tentando te explicar sobre a condição feminina. Confesso que sou filha de uma cultura muito machista. A linhagem de mulheres da nossa família (pelo menos as que conheci, sua bisavó, sua avó, e eu, sua mãe), crescemos e fomos educadas em uma cultura de valorização do masculino, como se fôssemos um pouco menos capazes que os homens. É uma história que se repetiu por muitas gerações em nossa família, então eu diria que está impregnada. Impregnar vem do latim “impregno”, que significa um corpo penetrar em outro. Veja só a nossa linguagem, meu amor, “grávida” em inglês é “pregnant”. Eu estou impregnada de você. E você já nascerá grávida, impregnada, de muito do que estou te contando. 
O seu pai também nasceu nesta cultura, influenciado por um inconsciente coletivo que valoriza mais o masculino. O lado bom disso foi que nos encontramos e nos apaixonamos envoltos por algumas dessas distorções sobre o masculino e feminino mas ficamos anos nos relacionando e procurando nos “limpar” de tudo para ficarmos mais puros para você. Totalmente isso não é possível, pelo menos não foi ainda, no nosso caso. Mas eu observo que caminhamos e que a sua chegada e o fato de você trazer esse DNA feminino irá contribuir no nosso aprendizado a respeito do que é ser mulher e de como uma mulher merece ser tratada, respeitada e amada como um ser divino (não que os homens também não sejam, este é um merecimento humano, que se estende aos outros seres vivos que partilham o mundo conosco). 
Mas voltando a falar do nosso médico, o Bráulio. Ele trabalha com uma equipe de pessoas comprometidas em oferecer segurança, bem-estar, conforto, para a mãe e para o bebê que vai nascer. Nos partos naturais é a criança que escolhe a hora, então todos precisam estar disponíveis 24 horas para atender essa demanda. Por isso é importante que seja uma equipe, uma rede de apoio. Durante a gestação o Bráulio terá um período de férias e nós gostamos tanto dele que papai quis perguntar “mas você que vai fazer o nosso parto, né?” Para se certificar de que ele teria voltado e não delegaria isso a outra pessoa. Então ele respondeu: “Eu não, quem vai fazer é ela” e apontou para mim, filha, e depois confirmou “mas eu estarei com vocês para acompanhar”. Foi a primeira vez que eu estive diante de um homem, médico, consciente do poder da mulher ao parir um bebê. Deveria ser óbvio, mas nossa cultura é tão distorcida que parece que quem dá à luz a criança é o médico. Acredito que o Bráulio amadureceu como homem (e pôde ficar mais consciente) pela experiência nos mais de 100 partos naturais que ele assiste por ano... Ele viu muitos bebês, mães e pais nascerem da forma mais natural que existe: sem intervenção. Isso deve gerar uma baita fé na natureza, na vida. Medicina e técnica vem depois, para complementar o que a natureza deixou belo e pronto. 
Na consulta desta semana eu saí para ir ao banheiro e quando voltei seu papai estava comentando que ouve dos amigos médicos (educados dentro da cultura da cesárea, que é uma dádiva necessária para a segurança de uma minoria de mães e bebês, muito importante e que eu celebro que exista, pois salva muita gente), ao saberem que escolhemos tentar o parto natural, que a cesárea é o parto mais seguro para o bebê. E o Bráulio comentou: “Então quer dizer que seus amigos médicos querem dar palpite nos procedimentos que serão usados no corpo da sua mulher, na escolha dela para o nascimento da sua filha, é isso?”
Obviamente eles não fazem isso por mal. Eles apenas seguem a cultura de desrespeito ao feminino. O poder está na mão da medicina, da técnica (às vezes médicos, às vezes médicas, hospitais) e acredita-se que a própria mãe, grávida da vida, não sabe o que é melhor para si e para o bebê. Velada está uma violência que atinge o corpo da mulher, sua natureza parideira e suas escolhas. Eu mesma já fiz parecido em outras situações. Porque trabalho com educação muitas vezes me intrometi dando conselhos sobre como criar uma criança. Então para mim a fala do Bráulio foi uma lição de consciência, de alguém que está consciente de alguns absurdos que cometemos sem perceber, do quanto somos violentos e invasivos disfarçados de amorosos. 
Celebro, minha filha, que além do papai, ele será um dos primeiros homens que você irá conhecer quando estiver fora do meu corpo. Que você possa ter gravado em sua memória essa integridade com nós mulheres. Confio muito nele, mas torço para que possamos ser nós duas (e papai como coadjuvante) as protagonistas do seu nascimento. Vai ser a nossa dança de amor, a coreografia mais mágica e única de dois corpos entrelaçados, que marcará o seu momento de nascer mulher e o meu momento de nascer mãe, sua mãe!
Aline Ahmad
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*quero deixar claro que não estou dizendo o que é melhor para o corpo de nenhuma mãe ou mulher. Sonho com a liberdade de cada uma poder se informar e escolher. O parto natural é a minha escolha por enquanto e é possível para 80% das mulheres com segurança. A medicina consegue identificar quem são os 20% (ou 15%), que bom! Se eu não fizer parte dos 80% aceitarei com amor a oportunidade de dar à luz com a cesárea. Mesmo assim quero muito viver a experiência do trabalho de parto. Esta é a minha vontade. Infelizmente minha filha ainda não pode responder a vontade dela. Vai ser o conjunto das nossas vontades que vai possibilitar o que irá acontecer. E a equipe estará a postos para garantir a segurança das nossas escolhas ou para reconhecer a escolha da minha filha com os aparatos disponíveis que a medicina dispõe, caso a minha intuição erre, por exemplo. Há aparelhos para medir a frequência cardíaca do bebê o tempo todo, se for necessário, e detectar qualquer risco. Deixando claro que as dificuldade acontecem no máximo para 20% das mães e dos bebês. Todos os outros casos não necessitam de nenhuma intervenção. Isso é um  dado científico que arredondei para mais, importante ser levado em conta. 

*esta carta foi escrita há algumas semanas mas a foto tem apenas uma semana e minha barriga já cresceu de lá para cá. Tirei a foto no domingo 13/5/2018, entrando nas 28 semanas