domingo, 5 de agosto de 2018

19a Carta para minha filha

19a CARTA PARA MINHA FILHA

Filha, nas horas doces da vida vi muitas vezes escapar, do homem que amo, o seu pai em um sorriso. Saía sem timidez ao olhar um bebê, carregar uma sobrinha, ou te imaginar. Em alguns momentos antes de dormir a se perguntar "já pensou uma menininha dormindo aqui com a gente?"


Desde que ele instalou você no meu ventre esse sorriso tão pouco assíduo foi ficando mais presente e duradouro. Um sol brilhante no rosto dele, um sol todo seu, filha, direcionado para essa lua cheia, crescente, luminosa, na minha barriga. Há meses, quando notamos você se expandir como uma semente que rompe a terra para cumprir seu destino de árvore, ele começou a conversar com você todas as noites antes de dormir. "Está quentinho aí, filha? Deve ser gostoso estar na barriga da mamãe! A gente está te esperando. Vai ser gostoso aqui também. Olha, a saída é por aqui!". Dizia ele apertando levemente meu baixo ventre. Outros dias ele contava algum acontecimento "Filha, hoje fizemos o ultrassom e vimos você!" ou ainda "Hoje a vovó veio aqui em casa e levou umas roupinhas suas para lavar". Também fazia muitas perguntas como se sua voz estivesse disponível para responder e fosse decifrável para nós "Já está dormindo, filha? Tá acordada?" e com as mãos ficava sentindo se você correspondia com algum movimento, como se você estivesse nos ensinando o seu alfabeto próprio que o deixava mais entusiasmado em traduzir "É mesmo? Acordou?" E olhava para mim, como se para confirmar que eu também testemunhava o fenômeno de um pai amar e se comunicar com uma filha que ainda não nasceu. Por vezes meu olhar ficava turvo de lágrimas. Enquanto te dizia em palavras, filha, ele me validava em silêncio, seu pai reconhecia em mim a mãe emanando carne, ossos, sangue, te nutrindo de vida e ele ali, nos nutrindo de amor. O seu pai tem tanto amor dentro de si, que ele se esparge em arte e em ciência, em música e em poesia, em presença e em abraço, em carinho e no sorriso dele. Meu pai, filha, o avô que você não vai conhecer fisicamente quando nascer, dizia que "era um sorriso capaz de iluminar uma sala toda".


Daqui uma semana será domingo de dia dos pais. Fico pensando se você vai querer passar essa data dentro de mim ou no colo do seu pai, se ele estará olhando seus olhos ou o meu umbigo e se estaremos sorrindo de amor ou de ansiedade. Você escolhe, filha!








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