terça-feira, 31 de março de 2015

Adoecer

Eu, ainda com cabelo, no Safari. 

Estamos em Delhi para nossos últimos dias antes de voltar ao Brasil. Adoeci um pouco de novo e estou passando um dia de molho no hotel. Imagino que seja algo que comi que não me fez bem. Ficar um pouco sem se distrair com nada faz a experiência se assentar, se instalar em nós. É forte estar aqui, mas poderia passar batido se eu não tivesse a devida atenção ao que tenho vivido. Não foi só turismo, longe disso, eu permiti que a Índia percorresse meu ser como que me dizendo de que sou feita e me suplicando a entrega. Para todos os lugares que olho ouço esta frase interna: "Se entregue!", resistir é adoecer, mas se entregar também é adoecer. Não tem como. O aprendizado acontece na dor. A própria palavra "a-do-e-cer" me remete ao significado: "a dor é ser".
Ser pode doer um pouco, mas eu não desejo outra coisa além disso. 

segunda-feira, 30 de março de 2015

Safári em Khajuraho

No nosso último dia em Khajuraho (22/03/2015) acordamos antes das 5 da manhã para viajarmos 45 minutos de jipe até o safari Panna Tiger Reserve. Uma reserva de animais selvagens com mais de 30 tigres. 
Eu não esperava fazer um safári nesta viagem. Lá pegamos um guia especializado, do parque, que nos foi mostrando as diversas espécies de pássaros, árvores, macacos, antílopes... Vimos até gato selvagem e porco selvagem, mas o tigre não pudemos ver. De qualquer forma a atmosfera e adrenalina de participar de um safári são estimulantes. Nosso guia ficava sempre muito atento aos sons, para algo que caracterizasse um "chamado" de algum animal alertando para a presença do tigre, chegamos a ouvir avisos de macacos, mudamos a direção, mas mesmo assim não foi suficiente. De qualquer forma valeu muito a aventura. 



Rituais

Já contei que para o hinduísmo (segundo nosso guia em Khajuraho) se raspa a cabeça pelo menos uma vez na vida como um oferenda para a Ganga (rio Ganges). Vi muitas crianças assim e concluí que era para esse ritual. 
Hoje (25/03/2015) foi o dia da minha iniciação. Recebi o diksha. Tenho amigas que aproveitaram este momento (da iniciação) para raspar o cabelo e realmente renascer. Afinal o cabelo, o corpo, não somos nós, embora estejamos identificados com eles. Raspar a cabeça é um símbolo, de que reconhecemos que somos mais que isso. Pelo menos este é meu jeito de ver. Desde que planejei esta viagem, há mais de um ano, tenho pensado em raspar minha cabeça no dia da iniciação. Venho me preparando psicologicamente, buscando compreender o significado disso para mim. Percebi que meu cabelo representa: a vaidade, a distorção do feminino, a valorização da imagem e "do que os outros vão pensar". Percebi que podia deixar isso tudo para trás. Assim abrir espaço para colocar no lugar: a beleza verdadeira do ser, a alma, a liberdade de fazer o que quiser e ser si mesmo(a), a coragem, o poder, a força, a fé (de que a vida continua, de que eu continuo, de que a beleza está além do cabelo...)
Foi assim que fui interiorizando este ato. 
Depois conto mais. 
(Foto tirada em Khajuraho)

Pranam

O "pranam" não é uma reverência ou um ato de humildade, talvez seja, para nós ocidentais, mas o significado deste gesto do hinduísmo, praticado com os gurus remete a crença de que os pés de um iluminado tem poderes de dissipar males materiais, mentais e emocionais. Ao tocar os pés do guru com a cabeça estamos purificando o nosso ser e recebendo inúmeras graças. Esta é uma explicação racional (embora sem comprovação científica para os céticos), porém a experiência espiritual pode nos pedir atitudes irracionais. Conheço algumas pessoas que diante do Prem Baba, sem nunca antes terem contato com a cultura hindu, caíram aos seus pés. Fenômeno que o próprio Prem Baba conta ter acontecido em seu primeiro contato com seu guru. As pessoas que fizeram isso me contaram que se sentiram até um pouco constrangidas logo em seguida. 

O que posso falar por mim é que a presença dele é muito forte, um silêncio interno se instala por onde ele passa e também é muito comum uma certa comoção e choro diante do seu olhar e sorriso. 

Esta foto me tocou. Esse garotinho deve ter entre 7 e 9 anos, quase todos os dias ele dançava no centro do salão e parecia o próprio Deus encarnado em um ser, pois seus olhos ficavam cerrados, seu semblante era doce e os gestos repletos de delicadeza como se acarinhasse o ar com o toque sutil dos dedos. Na boca sempre um sorriso muito leve e único e um olhar fugidio escondido na pálpebras ou, às vezes, levemente se mostrando para fechar-se novamente em seu escuro interior. No momento da foto foi quando livremente o menino se prostou na fila de pessoas que aguardavam para fazer "pranam", quando chegou sua vez ele reverenciou o mestre. A beleza da foto é que Prem Baba em toda sua magnitude e sabedoria também o reverencia. 

Meu berço, Rishikeshi

Hoje estamos nos despedindo de Rishikeshi. Temos alguns dias em Delhi e ainda tenho muitas fotos para postar principalmente de outros lugares que passamos e alguns vídeos daqui também. Contudo percebo que quando cheguei nesta cidade acabou a minha viagem turística e começou a minha viagem pelo caminho do coração. O caminho bem ao encontro de mim mesma. Eu fotografei muito menos, eu deixei de fazer algumas coisas que queria (vão ficar para a próxima), mas eu compreendi que podemos ter muitas casas espalhadas pelo mundo, mesmo que não as usemos como residência. São lugares com pedaços de nós aconchegados para nos receber, sensações de conforto mesmo diante de situações peculiares que nunca estivemos perto de viver. Eu estive aqui inteira e sei que esta abertura não partiu só de mim, havia um berço de amor acolhendo minhas impurezas e purificando meu ser, o tempo todo. Eu pude experimentar a certeza de que pertenço a este berço e de que ele me dá de viver onde quer que eu esteja, com isso não desmereço todas minhas outras origens, também as reverencio como fontes da minha natureza única, luminescências da minha personalidade, lampejos da minha presença. 
(Foto da vista do Ganges)

domingo, 29 de março de 2015

Índia - Banho no Ganges

Para os hindus o Rio Ganges é um rio sagrado, representa a deusa Ganga que saiu da trança na cabeça de Shiva para lavar o mal do mundo. 
Esta história pode ser interpretada como uma mitologia. Para Joseph Campbell, famoso estudioso dos mitos, a humanidade os criou em todas as épocas e em todo o mundo. A diferença entre um mito e um conto é que o conto trata-se de uma jornada individual, já os mitos são universais, são histórias conectadas ao que vivemos interiormente, batalhas que travamos em nós mesmos, através de aspectos íntimos (arquétipos, como estudou Jung), personagens e padrões que se repetem no inconsciente coletivo e aparecem em sonhos, portanto presentes em todas as pessoas e que, de alguma forma, podem estar sendo reproduzidos em nossas vidas sem que percebamos. Estou falando de algo um pouco complexo, pode ser um conteúdo nebuloso para quem esteja lendo pela primeira vez esses termos. Eu não sou nenhuma estudiosa sobre o assunto só quis esclarecer um pouco para não ferir amigos monoteístas que possam estar intrigados com os mitos hindus. 
Fiz esta viagem querendo experimentar verdadeiramente a espiritualidade que a Índia me oferece. Quando ouço as histórias eu não permito que meu ceticismo questione, mas liberto meu corpo para viver com os sentidos a experiência. Foi assim no rio. Com a crise de água que vivemos no Brasil eu passei a reverenciar a água como uma deusa, como algo que nos dá vida, nos dá de beber, de banhar, de comer, de ser... Ou seja, uma matéria sagrada, de que necessitamos. Acho lindo que os hindus tenham essa reverência, como uma consciência mais ampla sobre a importância de um rio e de suas águas. 
A água do Ganges é muito gelada mas é uma delícia mergulhar e saímos sempre revigorados. Uns dirão que é pela sensação do banho gelado, outros dirão que é a ação da Ganga no nosso organismo. 
Outro detalhe é que aqui as mulheres entram vestidas no Ganges, é o costume deles. Cheguei a ver algumas poucas ocidentais se vestindo de forma mais ousada na rua ou no Ganges mas eu adorei entrar vestida, me senti até mais à vontade. 

sexta-feira, 27 de março de 2015

Índia e religião

Nunca acreditei em religiões. Preciso confessar-me. Nunca acreditei em templos, em deuses, aliás, eu, nem sequer, acreditava em mim mesma. 
A minha crença era, e ainda é, a psicologia. Como se fosse uma ciência. Ah, esqueci de dizer. Eu sempre acreditei no estudo, na pesquisa, na experiência. A psicologia atendia todos os meus anseios. Seria o meu método de salvar a alma. A salvação de mim mesma. Compreender com a mente para ter paz no coração. Mas, através da psicologia, pelo estudo de mim mesma, da minha história, da minha infância, da minha vida eu fui chegando a trechos da jornada que não podiam ser atravessados só com ela. O mapa era falho. Me levava a um ponto nulo, do qual não me permitia adiantar-me. Então eu notei que apesar de não acreditar nas religiões, eu acreditava no amor, na amizade, na liberdade. Também já acreditava mais em mim, mas ainda não tinha paz o suficiente para fazê-lo por completo. Então, naturalmente, meu coração foi se abrindo para uma compreensão maior, cujo nome "espiritual" se tornava mais e mais latente para discriminá-la, mas que ao mesmo tempo não me convidava a reconhecer meu espírito e sim reconhecer meu corpo, meu próprio instrumento, minha presença, minhas atitudes. Notei que tudo que eu acreditava ser "espiritual" eram fenômenos físicos que podiam ser experimentados no meu corpo, na matéria, através dos meus sentidos. Passei a praticar diariamente a meditação, uma disciplina com o silêncio, uma devoção ao meu próprio ser e quanto mais fui apurando minhas práticas percebia um buraco a ser preenchido. Eu não sabia atravessar a escuridão do caminho sozinha — já que eu não tinha nem mesmo um direcionamento confiável. Seria necessário um mestre. Alguém que tivesse experimentado na pele todos os estágios desta jornada em busca de si mesmo, um guia que conhecesse o caminho. 
Foi assim que minha conexão aconteceu. É como um encaixe perfeito, simplesmente flui e acontece. E vem no momento de relaxamento, é como se tudo antes fosse uma resistência para evitar esse encontro, mas, na hora que deixei de resistir, o encontro naturalmente se deu. 
Religião vem do latim "religare" que quer dizer religar. Entrar em contato com um mestre verdadeiro no momento certo do caminho é como despertar de um sono profundo para tomar consciência de tudo: de si, dos outros, do mundo. Eu fiquei maravilhada com o que vi. Fui tomada por um êxtase de alegria e amor. Não se tratava de uma lição dada pela mente racional, aquilo não era fruto de uma comunicação cerebral entre dois seres, mas de uma experiência vivida no sentimento, com todos os sentidos do corpo e em todos os sentidos e significados possíveis. 

Ainda ontem Prem Baba nos disse:
"Assim como cada um tem fins e talentos específicos, uma forma única do amor se expressar em cada um. Cada país também tem sua expressão. A Índia é misteriosa, notoriamente conhecida como tendo como principal presente a espiritualidade. É o país que mais produz iluminados no mundo. Mas antes da espiritualidade tem a característica de produzir confusão. Da um nó na mente, especialmente do ocidental. A Índia é um quebra-cabeça pro ocidental. É um dos lugares de mais contrastes (...) Vai entender isso com a cabeça! Você só entende o significado da vida com o coração. A vida é um mistério que só se desvenda através do coração. Não importa onde você esteja a vida está constantemente te chamando para ser desvendada através do coração. Está constantemente nos convidando a olhar nas entrelinhas."

E a Índia faz isso com as pessoas, disponibiliza para uso esse olhar mais apurado, esse amor mais pulsante, esse gosto mais picante na boca... Parece que ficamos mais vivos, inteiros ou mexidos, despedaçados, às vezes, mas vivos!

E entre tantos sons e cores e gostos, o deslumbre diante da realidade é um presente que tenho recebido, como uma graça divina, um beijo do sagrado no meu corpo tão humano. 

Meus olhos estão mais abertos para a vida, e meu sorriso também!

quinta-feira, 26 de março de 2015

Iniciação e raspar o cabelo - sobre o 25/03/2015

Ontem eu postei uma foto de uma criança e falei sobre uma questão sobre o meu cabelo (que não deveria ser motivo de assunto, mas no atual estágio existencial em que estou ainda é) e percebi que há algum tempo, mesmo antes desta viagem, eu tenho feito uma escolha.
Nós, seres humanos, escolhemos o tempo todo, consciente ou inconscientemente. 
Optei, (inconscientemente, mas agora reconhecendo), por transformar a minha busca particular e íntima (ou que, ao menos, poderia ser assim) por mim mesma e por uma conexão mais ampla e real com o amor, em uma coisa, compartilhada, pública. Quando vi já tinha feito. Preciso assumir que tenho usado esse processo não somente para mim, mas, amorosamente, como um resgate possível a todos que me acompanham e, egoicamente, como um trunfo, que no fundo não há, pois se esgota à medida que é usado assim
Portanto espero que reste ainda o amor desta partilha, pois heroísmo não há nesta exposição. 
Esclarecendo esses aspectos mais implícitos vou continuar sendo eu mesma, alguém que adora se expor um pouquinho e receber um pouquinho de atenção por isso, oras. Com a licença poética da contradição existente em mim, da incoerência e imperfeição que me são humanas.
Muitas mulheres que admiro fizeram este gesto (de raspar a cabeça) em algum momento, minha irmã Adelita foi uma. Passei a admirar esta coragem há alguns anos. Eu me sentia incapaz de fazer o mesmo nem que quisesse, para mim seria como morrer, sofrer por anos (até crescer de novo) e ser feia durante uma eternidade limitada. O mais curto que meus cabelos chegaram foi na altura do queixo, quando eu tinha 8 anos. Sempre fui das que soltavam o cabelo, mesmo no maior calor, em qualquer oportunidade de ser vista ou notada, bastava cruzar com um conhecido que eu já ia soltando para que pudesse ser vista com os cabelos adornando o rosto. Quando minha jornada de autoconhecimento se aprofundou e eu quis ter um mestre, para seguir além na travessia da escuridão para a luz, essa questão (o cabelo) começou a se tornar central, passei a me perguntar se era necessário, soube que não é, o questionamento continuou. Desde o início eu sabia que o cabelo era um símbolo, uma dependência minha e que a maior beneficiada em abrir mão desta dependência seria eu. Um grito de liberdade! Passei a alternar a vontade de raspar a cabeça com o imenso medo de fazer isso. Conversei com várias pessoas, com lindas mulheres que rasparam há anos, com outras que tinham acabado de fazer isso, com uma amiga querida, a Marilia, também iniciada, que não raspou e me disse: "O cabelo foi a última coisa que pensei na minha iniciação", então caiu a minha ficha. Se o meu cabelo era o centro da minha preocupação, mesmo diante de um evento de extrema doçura, delicadeza e amor, estava mais que certo que deveria aproveitar a oportunidade para renunciar à tê-lo. 
Foi então que me decidi. O conflito foi se esvaindo com a decisão. Foi ficando claro que era isso mesmo, e que nem era nada tão importante ou traumático assim. O ato foi perdendo a força e ela (a força) foi passando para mim. Meu marido me apoiou desde o início e isso me ajudou muito. Combinei com ele que arrumaríamos uma tesoura e que ele cortaria meu cabelo no Ganges. A cada tesourada muita alegria e poder tomavam conta de mim, foi um ato simples, mas bem forte, me senti muito corajosa e via nos olhos dele que ele também, isso só me dava mais coragem. Ele ia me olhando e dizendo que estava me achando bonita, foi gostando, até que me deixou de cabelo curtinho. Entrei no rio com todas as mechas na mão, fiz uma oração e entreguei. Então voltamos para o centro de Laxman Jhula para procurar um barbeiro. Eu queria igualar tudo o mais comprido possível. Mas, sem querer, ele (Paulo) tinha feito uma falha bem na minha testa. Para completar o barbeiro não falava inglês. Cada vez que ele cortava ou passava a máquina outras falhas iam aparecendo e tentávamos explicar que queríamos deixar tudo igual. E ficou, quase tudo igual, porém bem, bem, curto...
O cabelo se foi. Sobrou meu ser. Sobraram também a verdade e o amor que se expressam através de mim.
E, quer saber? 
Não foi um ato tão heróico, mas mesmo assim estou me sentindo muito poderosa! E linda. E eu. Estou me sentindo eu. ❤️

terça-feira, 24 de março de 2015

O banho de lago em Khajuraho

No segundo dia em Khajuraho (21/03/2015) saímos pela manhã para conhecer os últimos templos. Ao lado de um deles havia um lago com indianos nadando e lavando a roupa. Foi uma das imagens mais lindas e envolventes que vi na viagem. Muita alegria envolvida naquela simplicidade. Uma cena que provavelmente acontece também muito no Brasil. Meu pai me contava histórias de banhos no rio, no lugarejo onde ele nasceu. Fiz uma viagem no tempo...

domingo, 22 de março de 2015

Índia - Sexto dia - Khajuraho

Chegamos em Khajuraho (cidade conhecida por seu templos alusivos ao Kama Sutra) em 20 de março de 2015. 

No aeroporto fomos rodeados por taxistas e a cena foi engraçada pois o Paulo começou a falar português com eles. Com isso acabamos conhecendo um guia que falava espanhol mas que estaria ocupado. Fomos então, indicados ao adorável "Prem"(com esse nome adivinhem de quem lembrei? Nada é por acaso!) que nos buscou no hotel à tarde para conhecermos um complexo de templos que fica em uma espécie de parque, bastante verde e tudo muito bonito. Ele já me ganhou porque nos convidou a sentar em banco, debaixo de uma linda árvore, onde passou a nos explicar as diversas origens e explicações sobre aqueles templos. Transmito aqui a origem mitológica, romântica e simbólica:
"Era uma vez uma linda princesa que ficou viúva. Em uma noite de lua cheia ela estava excitada e foi se banhar no rio. O Deus da Lua, assistindo e a achando incrivelmente bela, decidiu descer a terra e, assim, ele a seduziu naquela mesma noite. Desta união nasceu um filho que foi quem começou a dinastia responsável pela construção dos templos de Khajuraho"

Prem também nos explicou a diferença entre Kama Sutra e Tantra. Kama Sutra arrefece sempre ao prazer e ao amor para um casal. Tantra é um caminho espiritual de iluminação através da energia sexual. As imagens que remetem ao Kama Sutra são a de um casal. As que remetem ao Tantra aparecem mais pessoas. 

sábado, 21 de março de 2015

Índia - O humano em mim

Tudo que sou capaz de escrever são pré-conceitos, impressões de um olhar superficial, que fique claro. Ainda há uma barreira, pois não vivo está vida, e não porque viva uma vida melhor ou superior, este julgamento não cabe, mas porque vivo outra vida, com outras referências e valores. Viajar não pode ser julgar, mas estar consciente e admirar. Há na diferença uma constatação prévia, a qual pouco se olha, é a semelhança, a humanidade escondida e presente na espécie. Quando encaramos a semelhança estamos nos permitindo aprofundar uma camada na relação com o outro é com nós mesmos: "o que em mim é igual?", "em que nos parecemos?"

Quase tudo, me respondo, "quase tudo", mas as diferenças são mais fáceis, simples e seguras de serem olhadas, pois causam distanciamento (do outro e de si) e em estágios mais superficiais de consciência tudo que queremos é não aprofundar, tememos o encontro (com o outro é com nós mesmos), então olhamos bem de longe, de onde só as diferenças despontam e caminhamos felizes por serem eles (e não nós!?) na beira de uma existência que não ousamos penetrar por julgarmos existir. 

Varanasi - menino

Adoro fotografar crianças, aliás adoro crianças e neste caso nem tinha percebido que ele estava desnudo. As fotos que tiro são muito rápidas, sempre de passagem, meu marido não para (para que eu possa fotografar com calma, eu também só peço pra ele parar muito eventualmente). Veja que os pés dele aparecem no fundo da foto. Uma vez minha irmã postou uma foto da filha (bebê) de um ano nua e uma pessoa se ofendeu. Espero que não aconteça o mesmo, afinal o que conta nesta foto não é a nudez, mas o que ela conta sobre a vida deste menino, uma infância livre. Uma foto que fala sobre liberdade! (Tirada por alguém que se preocupa com a própria liberdade)


quinta-feira, 19 de março de 2015

Índia - Chegar em Varanasi

Chegamos em Varanasi na quarta (ontem, 18/03/2015)
Vir de avião Delhi-Varanasi foi muito tranquilo. O aeroporto é limpo e bonito, o vôo dura apenas 50 min. e a Jet Airways serve um gostoso wrap veggie e um bolo de banana (ponte aérea no Brasil não tem isso😔).
Foi uma aventura encontrar o hotel. O táxi no aeroporto não sabia chegar e nem se comunicar em inglês. Em um certo momento ele parou em uma rua sem saída e ficou ali esperando, não sabíamos o que. Comecei a rir e fazer vídeos sobre a nossa situação. Até que se aproximaram do carro 2 rapazes indianos de 20 anos, mais ou menos, que falavam inglês. O Paulo perguntou se eles podiam nos acompanhar até o hotel. Eles disseram que era perto, fomos caminhando com as malas, no meio do caminho apareceram vários funcionários do hotel que estavam indo nos buscar e se ofereceram para levar as malas. Eu me senti uma princesa sendo salva. De fato o hotel era perto, ao entrarmos foram tantas saudações com reverências de Nowmastê (umas 5 pessoas, conforme íamos passando para chegar à recepção que até me emocionei (tem acontecido muito aqui). Depois nos colocaram um lenço de boas-vindas, pintaram nosso terceiro olho e um garçom entrou na sala em que conversávamos para nos servir suco. Fiquei encantada!
Depois disso saímos pela cidade.

Índia - Taj Mahal - a mais linda história de amor

"Foi a mais linda história de amor..."
Esta música do Jorge Ben Jor deve ser uma das preferidas do Paulo, e o Tom, que produziu o vídeo do nosso casamento, teve a sensibilidade de colocá-la na edição, por coincidência. 
Também em referência ao meu casamento, em que Paulo recitou seu poema preferido na cerimônia, de Fernando Pessoa: "Conta a lenda que dormia uma princesa encantada", pois é isso que acontece com este monumento, nele dorme uma princesa encantada, conta a lenda que o imperador Shah Jahan teve muitas mulheres, namoradas, concubinas, mas nenhuma foi como Mumtaz Mahal, a única com quem teve filhos (14 filhos em 19 anos juntos!) e para quem ergueu sua homenagem póstuma na forma deste monumento em mármore branco todo trabalho e incrustado de pedras. O local escolhido foi o jardim onde foi marcado o primeiro encontro do casal, após Jahan tê-la visto no mercado e se apaixonado. Dizem que depois da morte de Muntaz jamais Shah se casou novamente, foi fiel a ela até o fim de sua vida e cravou na Índia o presente de amor mais suntuoso do planeta. 

Índia - Trem

Compramos a passagem de trem no hotel, só tinha segunda classe e apesar da estranheza em que eu estava, por tudo que tinha acabado de ver na estação, é bem confortável e a nossa companhia foi mais que especial. Este é Devendra (ou algum nome muito parecido, mas o nome não importa) ele e a mulher vão a Delhi a cada 6 meses para um acompanhamento médico, porque sua esposa já passou por uma cirurgia cardíaca. Ambos são sorridentes e simpáticos mas ele tem alguma doçura e serenidade raras de encontrar e sentir. 
Com 52 anos, é mestre de yoga há 15, e nos ensinou um pouquinho. 
"O yoga faz você ver a vida mais bonita", ele nos disse. 

Pessoas assim fazem a gente ver a vida mais bonita.

quarta-feira, 18 de março de 2015

Índia - Estação de Trem

Acabei esquecendo de contar que a nossa ida para Agra foi no segundo dia, de trem. A estação de Nova Delhi (e de Agra também) é extremamente suja, foi meu primeiro choque de nojo. Ratos andam pelos trilhos e saem de buracos nas paredes, eu, por sorte não precisei me aproximar de nenhum mas, em vários momentos, os vi de longe. O chão tem uma camada de sujeira e mesmo assim as pessoas sentam e deitam para esperar o trem, às vezes protegidas por um pano ou pela própria mala. Vi um rato passar por cima da mala de um homem. Vi pessoas sentadas perto de onde passou um rato, inclusive uma mulher amamentando um bebê. Tudo isto estava muito chocante para mim. Os trilhos também ficam sujos de fezes, porque os banheiros dos trens são buracos. Então imaginem!
Ao mesmo tempo são pessoas. Quando temos um estilo de vida diferente olhamos para outros seres humanos como nós como se fossem animais em um zoológico, com estranheza, mas os olhares deles também me viam assim. Às vezes parecíamos (eu e Paulo) ser o centro de uma arena de circo, era só nos distrairmos que se juntavam pessoas a nossa volta nos olhando e algumas nos pedindo para sairmos ao lado delas em fotos. 
Essas que pediam fotos me comoviam, porque me devolviam a  admiração que saía de mim na direção delas. Mulheres tão bem vestidas, várias com trajes bordados, sempre em cores vivas. Por isso o contraste, tanta sujeira, porém tanta singeleza e beleza.
(Foto em Agra, vejam como a criança me olha)

Índia e um lampejo do terceiro dia

A Índia entrou no meu coração aos poucos. Não só por esta experiência local, mas pelo sonho que se criou em mim no últimos anos. Percebi que um pedaço deste país morava no meu peito, como uma semente fincando raízes por ter sido jogada muito longe de seu habitat, mas uma semente legítima, indiana, que me permitiu adoçar o paladar para sentir o gosto picante da vida em pura gratidão e prazer. Uma experiência assim só se descreve com poesia para que se mantenha mais mágica que as palavras, para que se perpetue suspensa no povoado das sutilezas que silenciam a mente e deslumbram a alma. 
Meu marido aprendeu na escola, com um professor, que a poesia é a única forma de se dizer aquilo que a poesia diz. Contrario este pensamento, a minha poesia é a única forma de não dizer (e não dizer é dizer tanto) para perambular pelas ausências de significado. (Que se deduza a verdade do dito e do não dito). 
A realidade é intocável pelas palavras, a poesia somente a sonha de um jeito mais belo. 
Mas o que eu ia dizer ao começar esse texto eu nem cheguei perto de revelar... Talvez por isso esteja completamente expresso aqui. 
O Taj Mahal ao fundo, nesta foto, no Forte de Agra é uma degustação da beleza das próximas fotos, a do meu terceiro dia na Índia. 

Índia - Segundo Dia - Jantar Mantar

Ainda no segundo dia, segunda-feira (16/03/2015), visitamos Jantar Mantar, um complexo arquitetônico com 13 instrumentos astronômicos dos anos 1700, que tinham como objetivo medir o movimento do sol, da lua, além das demais estrelas e planetas. 
Se quiser acompanhar também pelo blog será um prazer😊

Índia - Segundo Dia

Nosso segundo dia começou com uma visita ao templo dedicado a Lakshmi e Narayan, que não pode ser fotografado por dentro, mas é um primor do conhecimento védico. Muito didático com textos (e figuras) explicativos em inglês. Uma das imagens que me tocou foi a de um homem com 5 cavalos diante de uma bifurcação no caminho, um dos lados o levaria para baixo e estava escrito neste caminho: sons, toques, formas, gostos, cheiros. Terminava em uma representação do inferno. O outro o levaria para cima, nele estava escrito: caminho certo, caminho da evolução  espiritual, boas ações, devoção, sabedoria. Terminava com uma representação do céu, da iluminação ou libertação. Ao lado havia a explicação: dizem que os sentidos do homem são os cavalos [alusão aos nossos 5 sentidos], os objetos das sensações são seu caminho. O homem com a mente sã alcança os mais altos lugares de Deus. 
Nesta única figura foi possível condensar muito sobre o hinduísmo. Achei lindo e inspirador, mas, como acontece com diversos textos a interpretação conta muito.

terça-feira, 17 de março de 2015

Índia - Protestos

Ao mesmo tempo em que acompanho as manifestações no Brasil também tenho visto protestos aqui na Índia. Dois países do BRIC em que seus povos se sentem injustiçados. Seja o povo simples e carente, como os agricultores que protestam aqui, seja o povo escolarizado e mais privilegiado socialmente, como aconteceu no Brasil, eu quero lembrar que somos sempre "povo" uma mesma massa. Por mais que ainda exista uma ilusão de separação: ricos e pobres, dominantes e dominados, e assim por diante, sinto que estamos mais unidos do que se imagina, apesar das diferenças ainda contrastantes. O que prejudica um grupo, prejudica também o outro. O que beneficia um grupo, beneficia também o outro. Existe uma minoria que não enxerga isso, penso eu que seja uma minoria, mas todo o povo quer o bem de todo o povo, sem discriminação. É óbvio que tudo respinga em todos, uma economia forte é bom para todos, uma economia fraca e ruim para todos. Boa educação é bom para todos, e assim por diante. Chega de nos separarmos. Que possamos nos unir!

Índia - continuando

O primeiro dia na Índia foi um domingo calmo, passeando por ruas bonitas e limpas em New Delhi. Mas se a Índia não é sempre e completamente suja e bagunçada, ela também não é sempre limpa e organizada. Fui percebendo isso aos poucos. 
O trânsito de dentro de um tuc-tuc pode ser bastante engraçado. As buzinas que ouvimos o tempo todo a cada carro que passa por nós, ou a cada lugar que passamos, ainda não me irritaram. É divertido! 
A forma com que os indianos tentam nos cobrar por tudo, sempre mais caro do que o fariam, para nossos padrões de honestidade (que, convenhamos, não é grande coisa, afinal somos brasileiros e talvez por isso mesmo, culturalmente, também gostamos de tirar nossa vantagem em tudo) chegou a me irritar em algumas situações, mas depois, fazendo as contas, o "estelionato", o engano que me causaram gera um prejuízo de 2 reais, às vezes 10 e, quer saber? É tão menos do que a Índia tem me dado. Tão, tão menos...

domingo, 15 de março de 2015

Índia - Parte 3

Por que generalizamos tanto?
Por que dizemos que um país é sujo e desorganizado, se ainda não conhecemos com profundidade o país? E pior, por que acreditamos nessas meias verdades?
Duas de minhas cidades favoritas no mundo: Veneza e Paris, são amadas e odiadas. Alguns dizem que são cidades sujas, que cheiram mal, etc. Basta reservar um hotel ruim, em uma zona pouco limpa e será possível dizer sobre toda a cidade: "Paris é suja", ou "Paris é perigosa", repetimos a nossa experiência daquele lugar. É legítimo, mas não é tudo. Todo país e toda cidade são entidades múltiplas que se mostram em diversas faces para cada pessoa. Ou em uma única face, que pode ser feia ou bela. A Índia tem se mostrado mais que linda para mim. 
Nossos amigos indianos nos levaram para passear pelo bairro onde ficam várias embaixadas internacionais. Tudo limpo, florido, bem cuidado. Nenhum trânsito (por ser domingo). Terminamos o dia vendo o sol se pôr em Humayun's Tomb. 
#alinenaÍndia #Índia #thankyouIndia #humanaynstomb
#Délhi

Índia - Primeiro dia (parte 2)

Chegar na madrugada de sábado para domingo, ter um motorista nos aguardando no aeroporto, não pegar trânsito até o hotel, encontrar café da manhã gostoso, cama boa, acordar em um domingo sem trânsito, com amigos indianos vindo nos buscar no hotel com flores, fez o nosso dia.

Chegar na madrugada (após 22horas de viagem, sem contar o deslocamento até o aeroporto e as horas de espera), nossas malas ficarem em Londres, não termos nem uma muda de roupa na bagagem de mão, dormirmos às 6h para acordar ao meio-dia para passear, não foi suficiente (nem um pouco!) para estragar o quanto a Índia tem sido boa comigo. 🙏💕💗

Índia - Primeiro dia (parte 1)

Pensando a respeito do que é uma viagem:
Viajar, se locomover: mudar de lugar; não estar mais no ponto de partida; se comover: mover-se junto. Qualquer trajeto de presença é uma viagem, qualquer sonho, qualquer beleza mental, também. Eis que saio do meu mundo, da comodidade do meu entorno e logo de dentro da minha casa percebo que a viagem começou. Não a que travo pela vida, mas a jornada para a Índia. Um e-mail anuncia nossa necessária troca de vôo, que faríamos o mais rápido possível. Uma viagem de horas, não há vôo direto e o que se ouve sobre a Índia, além da beleza de seus templos, da pobreza (e alegria!) de seu povo, é que se trata de um grande choque cultural, uma mistura de cheiros, sabores, carros, poeira, barulho, buzinas, animais e pessoas pelas ruas. A história que ficou para mim foi a de minha irmã que, ao chegar na Índia, há 18 anos mais ou menos, quando ela também tinha por volta desta idade, teve um desmaio, um espasmo, uma ruptura diante da feiura confusa de uma beleza velada. Uma linguagem que não dizemos porque não somos daqui (escrevo do lado de cá, da Índia), mas que ao mesmo tempo se comunica com a alma, fala com a minha. 
No entanto a Índia tem sido completamente diferente para mim do que sempre ouvi dizer. 
(Foto tirada no aeroporto de Délhi)