terça-feira, 3 de julho de 2018

8ª CARTA PARA MINHA FILHA



(Escrita inicial em: 27/5/18)
Filha, recebi uma mensagem arrebatadora da sua tia:

“Line quando puder converse e conte pra ela de mim.... talvez ela não saiba de mim, que estou longe. Mas to pensando nela daqui”

Ela ainda colocou uma carinha chorando e corações na mensagem. Ler aquilo me fez chorar, filha, pois temos uma ligação muito forte e próxima e foi como se eu compreendesse os sentimentos da minha irmã, mesmo longe de mim, principalmente agora que estou grávida de você. A sua tia esteve presente nos momentos mais importantes da minha vida. Então resolvi te escrever sobre irmãos. Essa tia, a Andreza, ou tia Deza, foi a minha primeira irmã. Depois nasceu a Adelita. Seu pai também tem uma irmã maravilhosa, a Marília. Não tenho dúvida de que você amará todas elas (como eu também amo), irá aprender com elas, ensinar o que só seu espírito sabe, e ser muito amada. 

Eu, como você, fui a primeira filha dos meus pais. Seu pai também foi o primeiro filho. Só que, diferente de nós, pode ser que você não venha a ter uma irmã ou irmão... Então preciso mesmo te contar o que significa isso. 

Eu não me lembro dos fatos, mas lembro do que eu senti. Eu tinha 2 anos e meus pais só para mim. Os pais são tudo na vida da criança. Tudo mesmo. O mundo todo. E me emociona pensar que já sou isso pra você. Todo seu entorno, e que continuarei sendo por algum tempo após você nascer. Todas as suas referências e inspirações vão vir desse lar, no início principalmente da nossa relação, e em segundo plano de como você enxergará seu pai e nós, a nossa família. As experiências que viver com a gente construirão as suas crenças e elas serão para você as suas verdades sobre o mundo todo. Forte isso! Assim era na minha infância. Até que meses após completar 2 anos a tia Deza nasceu. Foi como minha primeira tragédia, filha. Eu lembro do sentimento. Como se uma dor profunda tivesse me atravessado. Eu, com 2 anos, não sabia elaborar ou compreender aquilo. Já mais velha, lembro que meus pais contavam que a tia Deza era a bebê mais linda da maternidade. Grande, saudável, loirinha... Que todos queriam conhecê-la. Se assim foi na maternidade, imagino que também assim tenha sido na vida. E imagino que tenha se repetido um ano e alguns meses depois, com o nascimento da sua outra tia, Adelita. Ambas eram lindas e loirinhas. Meus cabelos eram mais escuros. Não sei, mas fiquei com a impressão filha, de que no Brasil, por ser menos comum os cabelos mais claros, achei que as crianças loiras eram mais amadas. E é assim mesmo que construímos nossas “meias-verdades”, concluindo bobagens a respeito de experiências vividas. Sobretudo as experiências de dor, e tentando encontrar explicações plausíveis para os nossos sentimentos. Aliás, talvez eu devesse dizer: para os nossos sofrimentos. Lembro da sensação de ter sido deixada de lado, de não receber atenção, não só dos meus pais, mas de todo o mundo em volta. Quase como se eu tivesse me tornado invisível e todos que chegassem na casa, ou perto da nossa família, de alguma forma, só tivessem olhos para elas. Chamamos os olhos do corpo de “janelas da alma”, é por onde podemos penetrar no universo interno do outro. Eu diria que os olhos são também uma fonte límpida de onde a alma pode ser jorrada para fora, para alimentar os outros de amor e atenção. Eu precisava desta fonte. Todos em algum nível precisamos ser vistos, notados, percebidos. É como se de fora recebêssemos um sopro sagrado que nos preenche de vida, confiança e amor, através do olhar do outro para o nosso Ser. 
Com o tempo e maturidade vamos descobrindo que essa fonte não está fora, é apenas a expressão do que trazemos dentro. E eu, filha, acredito que essa construção interna, ou o caminho para chegar à sua própria luz, pode ser mais suave se desde o início dos seus dias eu souber proporcionar boas impressões suas sobre o mundo, sobre mim, seu pai e, principalmente, sobre si mesma. 🙏🏻💜 
Bom, acabei me aprofundando um pouco e deixando de contar sobre as minhas irmãs, filha, suas tias. Elas foram um sopro sagrado que me preencheu de vida e de amor. Ainda que tenha me custado algum sofrimento, foram as cúmplices da minha infância, as testemunhas e coprotagonistas de tudo que vivemos juntas. Foram sobretudo minha maior alegria e doçura. Lembrar disso cura as feridas. O amor foi infinitamente mais amplo, se expandiu com a chegada delas. Então filha, caso você não tenha mesmo irmãos eu sinceramente torço para que você edifique relações análogas com primos e amiguinhos. Nunca será a mesma coisa. Mas isso não importa. Até porque eu preciso aceitar que é a sua vida, não a minha, e que é única. O seu caminho não está completamente sob meu controle, nada está, mas é minha responsabilidade oferecer o meu melhor a você. Eu me entrego em cada carta e espero pelo nosso encontro procurando me comunicar com você nessas palavras. 


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