segunda-feira, 24 de setembro de 2018

24a CARTA PARA MINHA FILHA - sobre não saber


"Você ama muito a nossa filha?"
Ele sorria com os olhos repletos de encantamento e amor, querendo se certificar de que compartilhávamos esse deslumbre com a sua chegada.
"Não sei", respondi. 
Não vou mentir a ele, nem a você. O amor é algo que sempre teve um sentimento e um nome em minha vida. O que vivo com você, filha, é diferente de tudo. Se eu fosse chamar isso de amor teria que renomear tudo que vivi. E também não posso dizer que é maior, ou que é melhor, pois estou de tal forma misturada a você que nem mesmo sei me distanciar para compreender e decodificar com palavras a nossa experiência. Acho que ainda estou aprendendo a me amar, me reconhecer, e tentar entender o que estamos vivendo. Até pouco mais de um mês você era como um pedaço do meu corpo, e é como se continuasse sendo, só que fora dele. Porém agora é mais complexo, é como se meu corpo, que tinha vivido quase 40 anos a aventura de se tornar autônomo, tenha se tornado um pedaço do seu, uma extensão da sua boca, da sua fome, de tudo que você possa necessitar. Eu sou um seio, um colo, braços que te acolhem no peito, lábios que te beijam, olhos que se comovem com seu rosto… O que eu sou, minha filha? Além disso eu não saberia dizer… Quem eu sou? Sou sua mãe!

Sabe, filha, a minha educação foi um aprendizado de interrupção dos meus impulsos, de afastamento do meu corpo e reconhecimento das expectativas do mundo. Tornei-me absolutamente mental. Através do intelecto eu busquei sempre atender o que esperavam de mim. Os sentimentos acontecem no corpo, justamente a voz que mais tentei silenciar. Achei que para ser amada seria preciso gostar do que é certo, sentir o que é previsto, ser o que é esperado. Segui esta cartilha. Então a vida me deu você, um caminho novo para o meu corpo, para o meu instinto, uma aproximação dessa carne que sou e que conflita com o que fui até hoje. A voz da minha mente não é suficiente para calar o corpo que quer você perto cada vez que te vê. 

As expressões do seu rosto, seus contornos, o cheiro da sua pele acordam calor no meu peito. É isso o amor? A sua voz, nossa aproximação, os seus olhos que me contemplam e sua boca que me sorri são sinais que não ouso conceber. O que vive e pulsa entre nós é amor? Ou são apenas nossos corações vivos testemunhando a potência da nossa relação? 

Não sei como chamar isso tudo, filha. Não sei. 

Saber foi o que aprendi. Sentir é o que você me ensina. 

E termino esse texto com um eu te amo querendo sair da boca. Você faz isso com o meu corpo, mesmo quando eu não sei. 

#cartasparaminhafilha

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