quinta-feira, 26 de março de 2015

Iniciação e raspar o cabelo - sobre o 25/03/2015

Ontem eu postei uma foto de uma criança e falei sobre uma questão sobre o meu cabelo (que não deveria ser motivo de assunto, mas no atual estágio existencial em que estou ainda é) e percebi que há algum tempo, mesmo antes desta viagem, eu tenho feito uma escolha.
Nós, seres humanos, escolhemos o tempo todo, consciente ou inconscientemente. 
Optei, (inconscientemente, mas agora reconhecendo), por transformar a minha busca particular e íntima (ou que, ao menos, poderia ser assim) por mim mesma e por uma conexão mais ampla e real com o amor, em uma coisa, compartilhada, pública. Quando vi já tinha feito. Preciso assumir que tenho usado esse processo não somente para mim, mas, amorosamente, como um resgate possível a todos que me acompanham e, egoicamente, como um trunfo, que no fundo não há, pois se esgota à medida que é usado assim
Portanto espero que reste ainda o amor desta partilha, pois heroísmo não há nesta exposição. 
Esclarecendo esses aspectos mais implícitos vou continuar sendo eu mesma, alguém que adora se expor um pouquinho e receber um pouquinho de atenção por isso, oras. Com a licença poética da contradição existente em mim, da incoerência e imperfeição que me são humanas.
Muitas mulheres que admiro fizeram este gesto (de raspar a cabeça) em algum momento, minha irmã Adelita foi uma. Passei a admirar esta coragem há alguns anos. Eu me sentia incapaz de fazer o mesmo nem que quisesse, para mim seria como morrer, sofrer por anos (até crescer de novo) e ser feia durante uma eternidade limitada. O mais curto que meus cabelos chegaram foi na altura do queixo, quando eu tinha 8 anos. Sempre fui das que soltavam o cabelo, mesmo no maior calor, em qualquer oportunidade de ser vista ou notada, bastava cruzar com um conhecido que eu já ia soltando para que pudesse ser vista com os cabelos adornando o rosto. Quando minha jornada de autoconhecimento se aprofundou e eu quis ter um mestre, para seguir além na travessia da escuridão para a luz, essa questão (o cabelo) começou a se tornar central, passei a me perguntar se era necessário, soube que não é, o questionamento continuou. Desde o início eu sabia que o cabelo era um símbolo, uma dependência minha e que a maior beneficiada em abrir mão desta dependência seria eu. Um grito de liberdade! Passei a alternar a vontade de raspar a cabeça com o imenso medo de fazer isso. Conversei com várias pessoas, com lindas mulheres que rasparam há anos, com outras que tinham acabado de fazer isso, com uma amiga querida, a Marilia, também iniciada, que não raspou e me disse: "O cabelo foi a última coisa que pensei na minha iniciação", então caiu a minha ficha. Se o meu cabelo era o centro da minha preocupação, mesmo diante de um evento de extrema doçura, delicadeza e amor, estava mais que certo que deveria aproveitar a oportunidade para renunciar à tê-lo. 
Foi então que me decidi. O conflito foi se esvaindo com a decisão. Foi ficando claro que era isso mesmo, e que nem era nada tão importante ou traumático assim. O ato foi perdendo a força e ela (a força) foi passando para mim. Meu marido me apoiou desde o início e isso me ajudou muito. Combinei com ele que arrumaríamos uma tesoura e que ele cortaria meu cabelo no Ganges. A cada tesourada muita alegria e poder tomavam conta de mim, foi um ato simples, mas bem forte, me senti muito corajosa e via nos olhos dele que ele também, isso só me dava mais coragem. Ele ia me olhando e dizendo que estava me achando bonita, foi gostando, até que me deixou de cabelo curtinho. Entrei no rio com todas as mechas na mão, fiz uma oração e entreguei. Então voltamos para o centro de Laxman Jhula para procurar um barbeiro. Eu queria igualar tudo o mais comprido possível. Mas, sem querer, ele (Paulo) tinha feito uma falha bem na minha testa. Para completar o barbeiro não falava inglês. Cada vez que ele cortava ou passava a máquina outras falhas iam aparecendo e tentávamos explicar que queríamos deixar tudo igual. E ficou, quase tudo igual, porém bem, bem, curto...
O cabelo se foi. Sobrou meu ser. Sobraram também a verdade e o amor que se expressam através de mim.
E, quer saber? 
Não foi um ato tão heróico, mas mesmo assim estou me sentindo muito poderosa! E linda. E eu. Estou me sentindo eu. ❤️

Um comentário:

Mô Passarini disse...

Que linda! Parabéns! Muita luz! 🙏💕