segunda-feira, 8 de julho de 2013

Flip (diário - post 1)

Não me lembro em que ano ouvi falar da Flip pela primeira vez. Sei que muitos anos se passaram até que eu criasse a oportunidade de ir.


Criar a oportunidade é fazer existir uma oportunidade que não exatamente existia antes. 



Tenho pernas e braços que são muito úteis para me locomover e provocar a existência de coisas que só fazem parte do meu sonho e da minha imaginação. A parte mais difícil não me coube. A Flip já existia, apesar de parecer-se com um sonho, ela já tinha sido sonhada e realizada, porém longe dos meus braços e pernas e, mesmo assim, muito próxima do meu coração.



Neste ano algo de diferente aconteceu. Uma força maior me impulsionou, e, embora eu já tenha 34 anos, sinto-me ainda nascendo para muitas coisas desse mundo.  Há uma semana eu nunca tinha feito uma viagem sozinha, eu nunca tinha pego um ônibus rodoviário com destino a uma cidade diferente da minha, eu nunca tinha acordado sem rumo em um lugar desconhecido, eu nunca tinha carregado minhas malas por becos escuros, eu nunca tinha dividido uma mesa com uma desconhecida em uma praça, eu nunca tinha puxado conversa com ela ou com outra desconhecida em uma livraria, ou com outra em uma fila para ouvir versos de Fernando Pessoa. Eu nunca tinha esperado uma hora e meia sentada em um banco desconfortável para ouvir Ferreira Gullar, eu nunca tinha provado empanada de camarão de banca de rua, eu nunca tinha atravessado a ponte sobre o rio Perequê-Açu, eu nunca tinha ouvido falar do Francisco Bosco, eu nunca tinha visto uma iraniana tão linda e especial como Lila Azam Zanganeh, eu nunca tinha sentido o vento de Paraty desagasalhada por não querer perder nem um instante para voltar a pousada e buscar uma blusa, eu nunca tinha desviado do meu caminho natural para andar pela cidade e conhecer pessoas queridas que eu já conhecia, mas muito pouco, eu nunca tinha feito tantas refeições seguidas sem companhia, eu nunca tinha dado tantas asas ao meu pensamento, ao meu sentimento e aos meus braços e pernas. 



Foram dias em que voei. Não em velocidade, mas em elevação. Meu espírito se elevou alguns centímetros. 



Foi uma viagem tão curta, mas me modificou tanto...



Não sou mais capaz de perder uma Flip como tantas que já perdi. E, quanto a esta, que estive, quero segurar, manter viva, para que eu possa me nutrir dessa elevação em mim.


A literatura se faz de transgressões. Heróis são os que subvertem a realidade e a cultura em que vivem. Não sou uma heroína, sou uma pessoa comum, mas transgredi a minha cultura, o que não me faz uma pessoa especial perante a cultura do mundo, contra a qual não fiz nada demais. Mas sou uma heroína de mim mesma, me refazendo e reinventando, modificando a minha própria cultura. 


Prometi compartilhar o que vivi. Assim pretendo fazer. Continua nos próximos posts.





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