domingo, 13 de maio de 2018

Korczak

“Você diz: ‘meu filho’.
Quando, senão apenas durante a gravidez, você terá o direito de dizê-lo? A batida de um coração tão pequeno como o caroço de um pêssego faz eco no seu pulso. É a sua respiração que lhe fornece o oxigênio. Um sangue comum a você circula em ambos, e nenhuma destas gotas vermelhas sabe ainda se ela será sua ou dele, ou se, derramada, será preciso que morra em sacrifício ao mistério da concepção e do nascimento. Este pedaço de pão que você está mastigando é material para a construção das pernas sobre as quais ele correrá, da pele que o recobrirá, dos olhos com os quais ele olhará o mundo, do cérebro onde o pensamento brilhará, das mãos que estenderá para você, e do sorriso com o qual ele chamará 'mamãe'. 
Juntos vocês irão viver um momento decisivo; juntos sofrerão uma mesma dor. O despertador tocará: pronto. 
E vocês dirão ao mesmo tempo; ele: 'eu quero viver minha vida'; e você 'viva a sua vida'.
Com poderosas contrações das suas entranhas você o expulsará sem se preocupar com o sofrimento dele, e ele abrirá o seu próprio caminho com força e decisão, também sem se preocupar com o sofrimento de sua mãe. 
Ato brutal. 
Na realidade, não. Você e ele executarão mil movimentos imperceptíveis, maravilhas de habilidade e de sutileza, a fim de que, tomando cada um sua parte de vida, não tomem além do que é devido a cada um, segundo uma lei universal e eterna. 
— Meu filho.
Não,  nem nos meses de gravidez, nem nas horas do nascimento, a criança não é sua...”
(Janusz Korczak, médico e educador, nascido em Varsóvia em 1879, em trecho de seu livro “Como amar uma criança”, p. 30)

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