sábado, 22 de agosto de 2015

Uma prática em CNV - Comunicação Não-Violenta

Estou há algum tempo buscando expressar o que aconteceu. 
Estou há algum tempo tentando conceber algo que sempre acontece, ou algo que poderia acontecer sempre, ou que acontece quando escolhemos que aconteça. 

Estive em um grupo de pessoas, durante um dia todo, e uma noite que o antecedeu, respeitando uma lógica que não respeitava a lógica comum, mas a convivência capaz de tornar comum um outro ser humano que a princípio seria incomum, diferente, e por isso um excluído de meu convívio. Ou por ser criança, ou por ter outra classe social, ou por ter uma formação diversa, ou por não ter formação alguma, ou por ter dinheiro demais, ou de menos, ou nenhum… A lógica do não-julgamento, da não-violência, da não-ignorância. 

Pausa. Neste momento procuro pela etimologia da palavra "ignorância". Encontro um dicionário em outro cômodo da casa. "Consto", como diria Dominic *, para dizer "constato", o quanto a linguagem e a forma me contagiam. Pois passo a escrever conforme as pessoas que leio, ou ouço. Escuto em minha mente uma outra voz, como se ele articulasse minhas palavras e respeito esse processo meu de reproduzir uma mensagem, que é minha, mas que escolhe a forma de uma outra pessoa por estar por demais embevecida, banhada, influenciada por ela. Vejo que alguns formatos de minha linguagem são misturas daquilo que ouvi e ouço do mundo, e não só de Dominic, e volto para a palavra "ignorância" cujo significado etimológico é "não saber, não conhecer". Ou seja, aquele a quem chamamos "você é um ignorante!", quando queremos dizer "você é um grosso" ou "grosseiro", estamos na verdade emitindo o que, muito provavelmente, é uma verdade. Isto é, talvez "você", este nosso interlocutor de que falamos, seja apenas alguém que não sabe, ou não conhece. Ainda não podemos julgar se a si mesmo, ao outro, ou ao mundo todo. Mas apenas alguém que não sabe ou conhece as mesmas coisas que nós e isso não deve diminuí-lo, ou desumanizá-lo, na mesma medida em que ele nos diminui ou desumaniza. Não só porque temos um conhecimento que ele não tem, mas porque ele também tem um conhecimento que não temos. Mesmo que ainda não tenha, ele mesmo, entrado em contato com este conhecimento, ele é a única ponte que temos para conhecê-lo, para adentrá-lo, como um explorador que busca um tesouro em uma gruta escura e que, `a medida que avança, pode perceber lampejos e brilhos das preciosidades que ainda não podem ser vistas. 

Comunicação não-violenta é desejar e buscar o tesouro "violentamente", `a todo custo. É se empenhar para que esse encontro seja possível, sobretudo com aqueles a quem consideramos ignorantes, grosseiros, quando na verdade são apenas uma outra pessoa, um ser, que sabe outras coisas, não as nossas mesmas coisas, e que por essa divergência parece muito diferente, mas guarda inumeráveis semelhanças com aquilo que somos mais profundamente. Comunicação não-violenta talvez seja a busca dessas semelhanças, uma exploração de algo que difere de nós na esperança do encontro daquilo que nos espelha. 

Então me recordo do trecho de uma canção de Caetano:
"Narciso acha feio o que não é espelho". 

Que possamos ver beleza, achar belo, o que não é espelho, o que é apenas humano. Que possamos chegar onde esta humanidade ainda sobrevive intacta como um tesouro intocado e valioso, repleto dos nossos próprios valores, os mesmos valores. 
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*Dominic Barter, o facilitador do workshop de CNV - Comunicação Não-Violenta, é inglês, mas fala fluentemente português, até com uma certa beleza e sofisticação de linguagem, talvez o neologismo faça parte disso. 😉

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